O folclore é uma herança cultural rica e diversa que atravessa fronteiras, conectando o imaginário de povos ao redor do mundo. Conheça personagens icônicos do folclore brasileiro e descubra suas semelhanças com figuras míticas de outras culturas.
Ao escutar uma história, você já deve ter se perguntado “será que eu já ouvi isso em algum lugar?”. Caso essa história esteja relacionada com alguma lenda ou folclore local, é ainda mais provável. Afinal, em meio às tradições culturais e miscigenação que aconteceu ao longo do tempo, ainda há um fator comum entre todos nós: nossa necessidade humana de criar e contar histórias. Naturalmente, algumas dessas histórias se parecem e até possuem suas contrapartes ao redor do mundo.
É nisso que esse texto se interessa. Ao explorar as lendas de outros lugares, conseguimos ver personagens e histórias muito parecidas com as que ouvimos no Brasil – e vice-versa! Antes de listarmos as caras, criaturas e suas respectivas contrapartes estrangeiras, vale relembrarmos o que é o folclore.
O folclore é a expressão coletiva de uma cultura, transmitida ao longo das gerações. Ele abrange mitos, lendas, danças, músicas e superstições, refletindo a identidade e as crenças de um povo. No Brasil, o folclore é celebrado no Dia do Folclore (22 de agosto), quando se reconhece a importância dessa herança cultural para a formação do país. O estudo do folclore permite não apenas compreender as tradições nacionais, mas também identificar semelhanças com outras culturas.
O Corpo Seco e o Zumbi: a morte é a mesma no mundo todo
Uma das lendas mais assustadoras do folclore brasileiro é a do Corpo Seco, uma figura condenada a vagar pela terra por seus pecados em vida. Segundo a lenda, o Corpo Seco é alguém que, devido à sua maldade, foi rejeitado até pela terra e pelo céu. Ele é visto como uma figura cadavérica, ressequida, que assombra florestas e cemitérios. A punição eterna de vagar entre os vivos sem descanso o coloca entre as figuras mais apavorantes do imaginário popular brasileiro.
Essa figura do morto que não encontra paz tem semelhanças notáveis com o conceito de zumbi, amplamente popularizado pela cultura pop, mas cujas origens remontam ao folclore haitiano. No Haiti, o zumbi é uma pessoa que foi trazida de volta à vida por meio de feitiçaria.
Diferente do Corpo Seco, o zumbi haitiano é controlado por um feiticeiro (bokor) e forçado a realizar tarefas, tornando-o uma vítima de manipulação mágica. No entanto, a ideia de um morto-vivo que assombra os vivos com sua presença, tanto no Haiti quanto no Brasil, aponta para um tema universal de terror relacionado ao ciclo da vida e da morte.
A semelhança entre o Corpo Seco e o zumbi haitiano revela como o medo da morte e do retorno dos mortos à vida permeia culturas diversas, ajustando-se às particularidades religiosas e culturais de cada lugar.
O Saci-Pererê, Tricksters, Leprechauns e outros malandros
O Saci-Pererê é um dos personagens mais populares do folclore brasileiro. Ele é descrito como um menino negro de uma perna só, que fuma um cachimbo e usa um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos, como desaparecer ou criar redemoinhos. Embora travesso e astuto, o Saci não é exatamente maligno — sua natureza é a de pregar peças, como esconder objetos e assustar animais, representando o arquétipo do malandro.
Figuras semelhantes ao Saci-Pererê podem ser encontradas no folclore de diversos países. Nos países que falam inglês, um personagem com características semelhantes é o Puck, do folclore inglês. Assim como o Saci, Puck é um espírito travesso, muitas vezes associado à natureza. Ele aparece na peça “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, como um ser que adora confundir e pregar peças nas pessoas. Sua personalidade espirituosa e caótica o aproxima do Saci, com ambos sendo figuras que, apesar de suas travessuras, têm uma certa simpatia e encanto.
Outro personagem comparável é o Leprechaun, do folclore irlandês. O Leprechaun é um duende que também prega peças e esconde tesouros, representando, assim como o Saci e o Puck, a figura do trickster, um personagem presente em várias culturas e mitologias. O trickster é aquele que quebra regras, desafia normas e, por meio de suas artimanhas, revela verdades ou provoca risadas.
A Iara e as Sereias: encantos perigosos nas águas
A Iara é uma sereia brasileira, uma figura metade mulher, metade peixe, que encanta os homens com sua beleza e seu canto para depois levá-los à morte nas profundezas dos rios. Sua lenda é uma mistura de mitos indígenas e influências europeias trazidas pelos colonizadores, tornando a Iara uma figura única no imaginário brasileiro.
No entanto, o arquétipo da mulher que atrai homens para sua perdição nas águas não é exclusivo do Brasil. As sereias da mitologia grega, por exemplo, são criaturas metade mulher, metade pássaro (em versões posteriores, peixe), que também utilizam sua beleza e voz para atrair marinheiros, levando-os à destruição. Essa figura mítica também aparece no folclore do norte da Europa, com as Selkies, criaturas que podem assumir a forma de focas, mas se transformam em belas mulheres para seduzir pescadores.
A Iara e as sereias de outras culturas refletem medos profundos sobre o poder da sedução e a imprevisibilidade da natureza. As águas, muitas vezes vistas como território incontrolável e perigoso, são o cenário perfeito para essas figuras encantadoras e fatais.
O Boto, o Kelpie e o perigo do mundo aquático
Outro personagem do folclore brasileiro relacionado à água é o Boto, um golfinho amazônico que se transforma em um belo rapaz durante as noites de festa para seduzir mulheres. Depois de engravidá-las, o Boto retorna às águas, abandonando suas vítimas. Essa lenda é bastante comum nas regiões ribeirinhas do Brasil e serve, entre outros propósitos, para explicar gestações inesperadas.
No folclore escocês, encontramos uma figura semelhante chamada Kelpie, um espírito das águas que também possui a capacidade de mudar de forma. O Kelpie geralmente assume a forma de um cavalo, mas pode se transformar em um homem bonito para atrair suas vítimas às águas, onde elas se afogam. Ambos os personagens compartilham a característica de usar o encanto para atrair seres humanos, enfatizando a natureza traiçoeira dos corpos d’água.
As lendas do folclore brasileiro são ricas e variadas, refletindo a fusão de tradições indígenas, africanas e europeias que compõem a identidade cultural do país. No entanto, ao analisar essas histórias em uma perspectiva global, percebemos que muitos dos temas e personagens presentes no Brasil encontram eco em outras culturas.
Seja o medo da morte e do retorno dos mortos, o trickster que desafia as normas ou as criaturas que habitam os rios e mares, o folclore conecta diferentes povos por meio de histórias que expressam medos, desejos e mistérios humanos universais.
O folclore nos lembra que, embora as lendas sejam locais e específicas de cada cultura, ele também é uma ponte que nos liga a outros lugares, mostrando que, apesar das diferenças geográficas e culturais, compartilhamos histórias e mitos que falam ao ser humano.