Como o surgimento de novas tecnologias transformam radicalmente como pensamos Educação.
Grandes mudanças nos métodos educacionais parecem seguir a tendência de ocorrer em ciclos de mais ou menos 20 anos, geralmente impulsionadas pela popularização de novas tecnologias no mercado. A sala de aula é apenas mais uma esfera social onde estas tecnologias acabam permeadas e instigam profundas modificações. Então vale relembrarmos algumas das maiores mudanças de paradigma por influência tecnológica nas últimas décadas; as grandes ondas tecnológicas.
Kits Multimídia em todas as salas
Quem esteve nas salas de aula entre o fim dos anos 90 até idos de 2010 lembra bem do “kit multimídia”. Segundo o site oficial do programa (que ainda está no ar), ele era composto por um microcomputador completo, impressora, switch para conexão com a rede da escola e com a Internet, TV de 29 polegadas interligada ao computador e mobiliário para instalação dos novos equipamentos. O aparecimento destes Kits nas salas de aula representava diretrizes que respondiam à acelerada popularização do VHS como bens de consumo acessíveis. A Secretaria da Educação do estado de São Paulo, por exemplo, bradava orgulhosamente que “até 2010, a Secretaria iria fornecer e-mails a todos os cerca de 250 mil professores da rede estadual”, veja só.
Hoje é absolutamente impensável a vida de educadores sem muitos destes elementos que, naquela época, representavam uma grande inovação. E nem falamos de tanto tempo atrás assim! Pouco depois, entraram os projetores nas salas de aula, a matéria do portal do MEC de 2009 trazia orgulhosamente que “os professores garantem que ficou mais fácil conseguir a atenção dos alunos”, e logo em seguida trazem a curiosa passagem: “Pela praticidade do equipamento, os estudantes também descobriram um aliado para realizar suas atividades”, citando que agora, os próprios estudantes podiam fazer suas apresentações multimídia.
Em retrospecto, é chocante ver que artigos e dissertações da época que discutiam os impactos destas tecnologias, citando, por exemplo, que a “televisão como tecnologia pode tornar-se um fator de mudança na cultura escolar […]. Entretanto, é preciso mudar o paradigma tradicional existente1”. Ao contrário do medo da substituição dos professores, essas tecnologias passaram a ser utilizadas para enriquecer as explicações com a possibilidade de exibir documentários, filmes e outras mídias, geralmente acompanhadas de exercícios reflexivos, como discussões, apresentações etc. Em geral, desde o princípio, pesquisas sobre os impactos destas tecnologias – desde os Kits Multimídia – em ambientes educacionais têm indicado que, quando bem utilizadas, elas “favorecem a atitude exploratória2”, sendo inclusive instrumentos favoráveis às pedagogias ativas como PBL, por exemplo.
Mas o tempo passou rápido, e assim que educadores e estudantes começaram a se adaptar aos famosos TICs (Tecnologia da Informação e Comunicação) em salas de aula, veio a popularização em massa de aparelhos móveis, e lá fomos nós novamente em busca de adaptação.
Pequenas telas pessoais e rede
Entre 2010 e 2015, a quantidade de celulares superou a quantidade de habitantes do Brasil; havia 197,53 milhões de aparelhos ativos, versus 192 milhões de habitantes. Apenas 3 anos antes, o iPhone havia sido lançado, e isso é importante porque é neste momento que aparecem as grandes telas dos celulares, ao invés dos teclados numéricos físicos. Já o 3G, se expandiu pelo Brasil a partir de 2004, e isso facilitou o acesso à Internet. Uma combinação explosiva de fatores!
Tivemos, nesse momento, a popularização dos aparelhos móveis capazes de conexão à internet, e não tardou para eles aparecerem aos montes nas salas de aula. Novamente, a discussão sobre como conjugar a Educação com a presença de celulares capazes de rede em salas de aula surgiu; afinal, auxiliam? Atrapalham? No início, as reações foram variadas, mas majoritariamente negativas quanto ao uso de celulares em aulas. O Governo de Goiás, por exemplo, em 2010, chegou a sancionar lei para a proibição do uso de telefone celular na sala de aula das escolas da rede pública. Em 2015, um projeto de lei apresentado na Câmara retornava à questão, e a justificativa da proibição trazia descrições como: “visa assegurar a essência do ambiente escolar” ou que seria “comum os estridentes aparelhos atrapalharem a concentração”. Outras leis vigoraram contra o uso para fins não pedagógicos dos celulares em sala de aula pelo Brasil.
Mas não demorou muito para que este panorama começasse a se modificar, e professores considerassem abarcar os aparelhos aos métodos educativos, ou no mínimo, se adaptar a eles. Um guia formativo para docentes do Governo do estado do Paraná, de 2017, traz diversas pesquisas, tais como trabalhos de Lúcia Santaella (2013) ou mesmo da Unesco (2014), que tratavam de “aspectos positivos relacionando estes dispositivos com o processo pedagógico”. O objetivo era claro: engajar os docentes a aproveitar que a guerra contra os aparelhos estava perdida. Precisavam encarar o fato inevitável de que, se não podemos fingir que eles não existem, devemos aprender a utilizá-los a favor da Educação.
Os celulares são, inegavelmente, parte integrante do cotidiano de todos nós, máquinas personalizadas atuando como assistentes pessoais, e Santaella3 defendia “ser possível fazer a transposição deste uso para torná-lo um aliado da aprendizagem”. Nas entrevistas, citam o caso de uma professora de Belo Horizonte que reflete o conceito na seguinte frase: “Se não pode vencer o inimigo, junte-se a ele!”. Não demorou muito, já em 2018 o óbvio acontece; projetos de lei começam a surgir justamente para liberar uso de celulares em salas de aula. Provavelmente o único ponto passivo foi que, para além do bem e do mal, eles trazem novidades para os espaços educacionais que criam tanto dúvidas quanto oportunidades, dependendo mais de como os educadores os utilizam.
Alguns exemplos de capacidades educativas que esta tecnologia traz, seriam:
>> Criação de conteúdo audiovisual pelos alunos. Competição fotográfica, minidocumentários, etc.
>> Lançamento de questionários rápidos pelos professores, com resultados da sala em tempo real.
>> Aplicativos de Realidade Aumentada (RA) para Exploração Interativa, permitindo aos alunos explorar conceitos complexos de uma maneira mais visual e interativa.
>> Acesso a E-books e Recursos Digitais Interativos, utilizando celulares de forma que possam enriquecer o aprendizado em sala de aula.
O dito do ChatGPT
E cá estamos nós novamente, enfrentando o que vem a ser a terceira onda destes saltos tecnológicos onde algo se populariza com extrema rapidez, e força todos os mercados e áreas de atuação a criarem respostas, soluções, ou ao menos, se posicionarem. Mas existe uma peculiaridade nesta nova onda; enquanto das outras vezes o fator distintivo do salto tecnológico foi o surgimento de plataformas que viabilizaram – de alguma forma inovadora – o acesso a conteúdo audiovisual (TV) ou digital (Celular), agora trata-se de uma modificação ainda mais profunda, porque a “inteligência artificial” não é um aparelho que viabiliza acessos, mas uma forma de manipulação do próprio conteúdo.
A autonomia é aspecto fundamental da Educação, vale lembrar que “Educar” vem do latim, educare e educere, que segundo a Merriam-Webster dictionaries significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. Isso pressupõe um grande nível de agência do educando. Mas sabemos que no dia a dia, a autogestão é uma questão complicada, e muitas vezes, o principal ponto de preocupação dos educadores. Comum professores se perguntando, “e se meus alunos utilizarem o ChatGPT para fazer os trabalhos?” Fato é que alunos já utilizam o Chat GPT, e claro, os professores também, queiramos nós, ou não.
A questão que nos resta é “como” utilizar, não “se” utilizar. Estimativas apontam que cerca de 30% dos estudantes universitários norte-americanos utilizaram o ChatGPT para trabalhos escolares no último ano letivo, em 2023. Neste sentido, ao contrário de inimigos desta nova tecnologia, é fundamental que nos tornemos especialistas em IA (Inteligência Artificial), sabendo transformar suas capacidades em formas benéficas para as relações de ensino-aprendizagem. Além de gerar belas discussões sobre os riscos que toda nova tecnologia traz pelo desconhecimento público sobre seu funcionamento, o impacto disso em carreiras do futuro, há ainda outras maneiras de aproveitar suas novas mecânicas para fins educacionais.
Fato é que alunos já utilizam o ChatGPT, (e professores também!) queiramos nós, ou não. A questão que nos resta é como utilizar, não se utilizar.
Um exemplo muito interessante é jogar no ChatGPT uma explicação complexa, e pedir para gerar versões de explicação adequadas a uma pessoa com TDAH, por exemplo, ou nivelar a explicação para uma faixa etária específica.
Um exemplo de prompt: | A resposta gerada pelo ChatGPT: |
Explique isso para uma criança de 8 anos: A fusão nuclear é um processo em que dois núcleos se combinam para formar um único núcleo, mais pesado. Um exemplo importante de reações de fusão é o processo de produção de energia no sol, e das bombas termonucleares (bomba de hidrogênio). | Vamos imaginar que os átomos, que são como os tijolinhos que constroem tudo, podem se juntar como se fossem peças de quebra-cabeça. Quando dois desses tijolinhos se unem, eles formam um tijolão maior e mais pesado. É como quando você une duas pecinhas de Lego para fazer uma peça grande. A fusão nuclear é como juntar esses tijolinhos, só que eles liberam uma grande quantidade de energia quando se juntam, como se soltassem uma explosão de luz e calor. No Sol, essa fusão acontece o tempo todo, liberando muita luz e calor para nos aquecer. |
Para os alunos, é uma ferramenta que pode auxiliar muito dando ideias para uma apresentação, organizando tópicos, gerando insights. Mas fica a cargo dos professores questionar o conteúdo para trabalhar a compreensão real das questões, e análise crítica do conteúdo. Outras possibilidades seriam:
— Explicação de conceitos de formas diferentes, simplificadas, contextualizadas, ilustradas.
— Como ferramenta para geração de histórias, ideias, propostas para temas de redações. Ou “complete a história”.
— Elaboração de propostas de provas, alinhando as questões para trabalhar aspectos ou vieses específicos.
— Feedback acerca da redação dos estudantes, apontando possíveis melhorias.
E como o astrofísico americano Neil deGrasse Tyson bem lembrou em sua entrevista ao Stephen Colbert, as IAs já estão ao nosso redor há muito tempo. A Educação precisa se adaptar urgentemente ao mundo com IA. Em termos de avaliação dos estudantes, talvez os professores possam seguir realizando provas orais, que são recursos avaliativos muito valiosos. É claro que isso significa uma carga mais pesada de trabalho para professores, mas talvez isso seja apenas mais um sinal de que precisamos de mais professores e muito mais investimentos na categoria, para a área educacional se adaptar ao momento cultural e tecnológico do mundo em que vivemos.
- O Vídeo como Recurso Didático no Ensino de Matemática, p. 37. Disponível aqui. ↩︎
- Lévi apud Fernanda XXXX, p.45 .”O saber universitário em rede digital: as possibilidades de multimídia e de interatividade aplicadas na difusão do conteúdo científico para a população”, 2012. Disponível aqui
↩︎ - SANTAELLA, Lúcia. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação.São Paulo: Paulus, 2013. ↩︎