Em pauta

Por que ler histórias tristes?  

Por Camila Saraiva

Estimativa de leitura: 4min 48seg

4 de setembro de 2023

Em 1943, com apenas três anos, Lidia Maksymowicz foi levada para Auschwitz, na Polônia, com a mãe. Ao chegarem ao campo de concentração, foram separadas e se reencontraram dezessete anos depois. Em 1944, quando os russos libertaram os sobreviventes de Auschwitz, Lidia foi adotada por um casal polonês que vivia próximo ao local. Durante a infância, a menina voltava ao campo abandonado para brincar de esconde-esconde.    

A história de Lidia, hoje com oitenta e três anos, virou livro e lembra a história de uma menina judia que ficou conhecida no mundo todo por ter relatado em seu diário a apreensão que viveu nos anos que antecederam sua prisão durante a Segunda Guerra Mundial. Traduzido para setenta idiomas e com mais de trinta milhões de exemplares vendidos, O diário de Anne Frank é um dos livros mais lidos por estudantes brasileiros. Outra obra que apresenta protagonistas crianças perseguidas por nazistas é Volto ao anoitecer, de Aharon Appelfeld, publicada pela FTD. Baseada na vida do autor, judeu nascido na Romênia, a história acompanha a rotina de dois meninos de nove anos que são deixados na floresta pela família em uma tentativa desesperada para que não sejam capturados. 

Há ainda muitos livros com crianças e jovens protagonistas ambientados em cenários devastados por guerras e conflitos contemporâneos. Eu sou Malala narra a vida da menina paquistanesa durante os primeiros anos escolares e descreve as desigualdades sociais vividas em um país sob o domínio do Talibã. Uma travessia perigosa, publicado pela FTD, conta a trajetória de um menino sírio de treze anos que percorre mais de dois mil quilômetros ao tentar migrar da Síria para a Europa. Flores de Cabul, também publicado pela FTD, conta as peripécias de uma menina que sonha em andar de bicicleta no Afeganistão, em 2021, quando o Talibã volta ao poder.  

Todos são personagens que querem manter a rotina de estudos, brincadeiras e, de certa forma, sonham com um futuro como todo jovem. Mas por que livros com histórias tão trágicas e realistas estão entre os mais adotados e lidos nas escolas?  

Segundo a professora de Língua Portuguesa da rede pública de São Paulo, Denísia Moraes dos Santos, O diário de Anne Frank é uma das obras mais lidas por estudantes brasileiros porque trata de injustiças sociais. “Ao escrever o diário, Anne Frank se posicionou frente à própria vida e precisou dar a ela um acabamento, o que só foi possível ao criar um certo distanciamento. A escrita do diário permitia à menina olhar-se de fora com algum excedente de visão. Em qualquer lugar do mundo, já no século XXI, o leitor literário é conduzido a se posicionar frente a Anne Frank e, desse lugar, ao acompanhar o ativismo da personagem, ser capaz de criar o testemunho da barbárie do holocausto.”  

Durante sua pesquisa de mestrado, Denísia entrevistou estudantes da rede pública de Santo André (SP) para verificar qual era o livro mais lido por eles, e a resposta foi O diário de Anne Frank. A professora então quis entender por que os estudantes gostavam dessa obra e descobriu que eles se identificavam com a angústia sofrida pela personagem em relação à exclusão e à intolerância. “O racismo, a desigualdade social e outros problemas estruturais vivenciados pelos jovens no Brasil aproximaram, por meio da literatura, o entendimento entre Anne Frank e o leitor brasileiro.” 

Mas nem só pela identificação e empatia os estudantes são atraídos ao ler histórias como a de Anne Frank. Segundo a escritora e professora de Língua Portuguesa do colégio Equipe, Luana Chnaiderman, o fato de essas histórias serem bem contadas e emocionarem é também um bom convite à leitura. “Assim como nós, os alunos gostam de se emocionar. É muito legal quando a gente lê um livro que nos emociona e nos convida a pensar profundamente sobre a história humana.” Luana lê Os meninos da Rua Paulo, clássico da literatura húngara, com os alunos do 6º ano.

“O que mais comove o leitor nessa história é uma cena tristíssima, em que o pai não pode parar de trabalhar para pagar o enterro do filho. Os alunos e as alunas vieram me perguntar por que eu escolhi um livro tão triste. Respondi que foi por questões individuais, de grupo e de sociedade. Individuais porque cada um de nós já passou por privações, por escolhas, por perdas e momentos difíceis. Acompanhar um personagem ou um grupo de personagens passando por determinadas situações é positivo, pois a gente pode se identificar e aprender. De grupo, porque o livro é sobre um grupo de meninos jovens ou adolescentes, então tem toda a dinâmica de se estar no mundo e em grupo, que pode ser explorada na leitura. E social porque é sobre a cidade, a desigualdade, espaços para brincar. Então eu escolhi essa obra porque histórias bem contadas nos sensibilizam, e, se nos sensibilizam, há mais chances de querermos viver outras histórias, de um jeito mais decente, mais legal.”  

Além da identificação e da reflexão sobre si mesmo e sobre o outro, os livros de literatura são ainda importantes documentos históricos que sobrevivem por gerações, ganhando, com o tempo, novas interpretações e possibilitando leituras de realidades diversas que ajudam a manter vivas memórias que não devem ser esquecidas para não ser reproduzidas jamais.    

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