Durante a minha gravidez, o enxoval mais difícil de montar não foi o das roupinhas da maternidade, ou dos acessórios de alimentação, ou da parafernália que acompanha os bebês. O quebra-cabeça das escolhas certas e erradas – porque a gente nunca tem certeza de absolutamente nada quando o assunto é recém-nascidos – o que me tirava o sono de verdade era como deveria ser montada a biblioteca da Valentina. Eu queria que, desde cedo, a minha filha pudesse ter os livros dela, entender que aquele canto do quarto era de brincar e de ler ao mesmo tempo, que ela pudesse perceber os livros com a mesma importância que percebia os objetos do cotidiano. Que o contato com os livros fosse algo natural, construído a partir dela, sem esforços externos em que precisasse ser convencida de que ler é muito divertido – além de uma porta para todo o universo interior, um lugar que só os leitores de fato acessam.
Além da maneira como as obras seriam dispostas, havia também a angústia de selecionar os primeiros livros com os quais ela teria contato, quais os temas, autores e autoras, traços, formatos, cheiros e texturas… Sentia que estava sendo traída pela minha própria história ao confrontar todas as verdades que eu sempre acreditei, desta vez, embaixo do meu próprio nariz – ou, para fazer a piada infame, dentro da minha própria barriga. Em vinte anos de dedicação à literatura infantil, montar a primeira biblioteca da minha filha foi um dos momentos mais desafiadores e deliciosos de todas as etapas que marcam nossa trajetória.
Como toda fanática por livros, que coleciona esses papéis colados e costurados por anos e anos, sabemos que as bibliotecas pessoais mudam ao longo da vida, que nossos gostos voláteis tingem as prateleiras de tons e humores e que não há satisfação maior do que presentear alguém com aquele livro que mudou a nossa vida em uma madrugada de leitura frenética. E, enquanto minha filha crescia na minha barriga, fiquei imaginando quais histórias cresceriam com ela, quais ela iria amar com o coração, quais ela iria amar com o estômago e quais ela iria odiar com o fígado. E quais as histórias ainda estão porvir que marcarão de maneira ainda mais profunda as fases da vida dela.
Um ano e meio depois, fico contente por entender que todas essas projeções de insegurança materna voaram como folhas soltas ao vento, especialmente quando vejo livros espalhados por toda a casa – e não restritos ao espaço “destinado para leitura” –, e que são obras de diversas naturezas – e não apenas “para crianças” – e que podemos nos comunicar por meio dos pequenos detalhes das histórias: correr como o “tem trem”, se acalmar como o coração que bate “tum tum”, dar as mãos para sentir “a pele que eu tenho”, caçar objetos escondidos como “o livro que estava aqui”, entender que “jacaré não é roupa”.
A leitura perdeu o espaço específico e ganhou todos os espaços; deixou de ser uma atividade somente introspectiva e passou a ser um momento com avós, tios, primos e quem quiser entrar, por quinze minutos, em um mundo espontâneo e afetivo. Quando minha filha escolhe um livro para lermos juntas sinto como se fosse uma declaração de amor, dela para mim e de mim para ela. Portanto, neste Dia das Mães, vou me dar de presente um momento bem gostoso com a minha filha para ler nossos livros preferidos, conhecer novas histórias e celebrar esse momento, paradoxalmente, inenarrável nas nossas vidas.