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Produzindo arte inclusiva para crianças neurodivergentes

Por Bárbara Barbero

Estimativa de leitura: 11min 20seg

15 de junho de 2023

Como a inclusão no cenário artístico pode contribuir no desenvolvimento de crianças atípicas. 

Muito tem se falado sobre inclusão recentemente, mas apesar de o termo ser muito utilizado e discutido, a realidade é que as crianças neurodivergentes e os pais e mães atípicos ainda sofrem com a falta de acessibilidade e preparo profissional. 

De acordo com um relatório publicado em março de 2023 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC),  1 em cada 36 crianças é diagnosticada com autismo. Embora no Brasil os dados não sejam concretos, a estimativa é que mais de 2 milhões de pessoas tenham autismo no país, o que significa que 1% da população vive no espectro autista. 

O que é o autismo? 

O autismo, também conhecido como Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), é uma condição neurológica que afeta o desenvolvimento da comunicação, interação social e comportamentos. 

As pessoas no espectro do autismo podem apresentar diferentes comportamentos, dependendo do grau em que se encontra. Esses comportamentos variam desde dificuldades na comunicação verbal e não verbal, dificuldades em entender e responder a emoções e expressões faciais, até interesses restritos e padrões de comportamento repetitivos. 

O autismo é classificado em 3 níveis, sendo o nível 1 “leve”, 2 “moderado” e o 3 “severo”. Embora seja uma condição que dura a vida toda, cada pessoa no espectro é única, com suas próprias habilidades, desafios e potenciais.  

Sobre a neurodiversidade 

Além do TEA, existem outros diagnósticos que vêm sendo mais bem estudados e reconhecidos como condições que interferem no desenvolvimento de cada pessoa. Por isso, grupos de ativistas pela luta dos direitos autistas têm se esforçado a combater a desinformação, mudando a bandeira autista para bandeira neurodivergente. 

As crianças neurodivergentes possuem diferenças neurológicas em relação ao desenvolvimento típico. Essas diferenças podem incluir condições como autismo, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), dislexia, síndrome de Tourette, entre outras, e podem apresentar características únicas que afetam a forma como percebem, processam e interagem com o mundo ao seu redor. 

Devido a tanta desinformação e preconceitos, muitas crianças neurodivergentes acabam excluídas dos cenários sociais, incluindo o artístico. Como possuem diferentes limitações, peças teatrais muito longas ou shows com muita luz e muito barulho, se tornam ambientes de muitos desafios e dificuldades para essas crianças.  

Pensando em como a arte pode ser inclusiva e como pode acolher as famílias atípicas, nós ouvimos algumas vozes importantes na luta pela visibilidade da neurodiversidade. 

Como a inclusão no cenário artístico pode contribuir no desenvolvimento de crianças atípicas 

Foto: reprodução Pexels 

Relato de uma mãe atípica 

A Fabiana Louzane compartilha em seu Instagram o dia a dia de sua rotina como mãe atípica de um casal de autistas, Caetano de 7 anos e Mariana de 3 anos. Com 43 anos, ela é pós-graduada em Intervenção Precoce no Autismo e está em especialização na área de Educação Empática. 

A Fabi conta que o acesso às informações para o início do tratamento do autismo é precário, e que existem poucos profissionais de fato capacitados nessa área de atuação, o que gera um enorme desgaste para as famílias que estão nessa fase de investigação, aonde o diagnóstico vem por meio da neuropediatria e psiquiatria. 

“O autista não quer ser tratado como autista, ou com rótulos. Ele quer ser tratado como um cidadão que pertence a uma sociedade que o respeita e que ofereça os serviços básicos para o desenvolvimento pleno.”, relata Fabiana em seu depoimento. 

Questionada sobre como ela enxerga que a inclusão no cenário cultural pode contribuir com o desenvolvimento das crianças neurodivergentes, Fabi acrescenta: 

“O autista possui muitas dificuldades, mas gostaria muito que as habilidades fossem exploradas e ressaltadas. E é, geralmente, no cenário cultural que essas habilidades são evidenciadas. Inclusive, existem artigos científicos que comprovam a eficácia da musicoterapia na intervenção do transtorno do espectro autista, por exemplo.  

Muitos autistas se destacam nas artes e através delas se expressam ou conseguem melhorar a área da socialização que é considerada uma grande barreira no desenvolvimento. 

A arte por si só já deve ser inclusiva e permitir que todos tenham a possibilidade de se manifestar e se expressar, independente das dificuldades. A arte é liberdade. O que precisa de inclusão é a engrenagem que está por trás dela. Por trás das instituições que administram os teatros, cinemas, escolas, etc. As recepções, os organizadores, etc. É preciso que haja acolhimento aos neurodivergentes e às famílias que os acompanham.” 

Apesar das dificuldades, Fabiana conta que não deixa de frequentar o cenário artístico com seus filhos, mas sempre respeitando seus limites. Por exemplo, quando vai ao teatro e percebe que uma peça longa deixa seu filho mais cansado, ela vai embora com ele. Ela alerta que enxergar o autismo como uma limitação, atrasa o desenvolvimento da criança, pois a coloca em uma caixinha de exclusão, e tira dela a oportunidade de aprender e socializar. 

“A verdadeira inclusão acontece quando o suporte é oferecido para as deficiências e os aplausos são direcionados para as habilidades. Acreditar que todos são capazes dentro das suas limitações é a verdadeira expressão de arte. Construir a autoestima para que eles nos surpreendam positivamente é a melhor recompensa para uma família atípica. Enquanto estava escrevendo esse texto, meu filho estava tocando Beatles no teclado só de ouvir. É sobre isso. É sobre amar, respeitar e enxergar além do que os olhos podem ver.” finaliza Fabiana Louzane. 

Trabalho das ONGs com as crianças neurodivergentes 

Conversamos com a Paloma Duarte, de 34 anos, que mora em Diadema e tem um projeto social chamado “Amigas Solidárias de Diadema”. Dentro os vários projetos sociais que a ONG realiza na cidade, está o “Unidas”, que acolhe as famílias atípicas, criando uma rede de apoio para compartilhar informações e a assistência por parte de profissionais voluntários, que contribuem com o desenvolvimento das crianças e suas famílias. 

Ao questionar sobre como o cenário artístico pode contribuir com o desenvolvimento das crianças neurodivergentes, a Paloma abriu seu coração ao falar sobre a importância do teatro e da arte na infância. 

“Quando criança, negra, pobre, gorda, cabelo cacheado, eu já sentia o preconceito enraizado, principalmente na escola pública. Eu percebia e identificava desde nova que não me encaixava no padrão da sociedade, e automaticamente eu não aceitava meu corpo, meu cabelo, minha raça. Após minha mãe tentar ballet, jazz, entre outras danças, e eu não conseguir me identificar, pois não havia o real pertencimento, eu tentei como última alternativa o teatro. E foi no teatro que eu me redescobri enquanto pessoa. Lá aprendi a amar e aceitar meu corpo, meu cabelo como ele realmente é, desenvolvi a minha autoestima, comunicação, verbalização, como eu poderia utilizar o meu corpo para me expressar. Foi simplesmente um marco em minha infância, e por isso eu acredito que o teatro é para todos, pois transformou a minha vida!”, diz ela.  

A paloma conta que os encontros e acolhimentos das famílias atípicas acontecem de forma personalizada, e muda de acordo com as necessidades do dia, porque as crianças possuem seus limites que precisam ser considerados e respeitados. 

“E quando tratamos de crianças neurodivergentes, não existe uma fórmula secreta, pois cada criança é única e possui sua característica. Nós temos que respeitar seus limites e apresentar através do teatro as oportunidades. Esse limite quem impõe é a própria criança, por isso nós as deixamos à vontade, esse é o segredo para o acolhimento real.  

As adaptações dependem muito das turmas de crianças e seus perfis de aprendizagem, por isso, cada encontro presencial é adaptado para aquele momento e em qual estado a criança se encontra naquele dia. Não podemos engessar uma metodologia, uma vez que temos vários métodos que podemos aplicar durante o encontro, e ajustando suas doses e até trocando a ideia principal.” 

Além do trabalho com as famílias atípicas, a ONG também realiza projetos sociais com mulheres vítimas de violência doméstica, moradores de rua, famílias carentes, além de projetos de saúde e higiene para todos. 

“As crianças atípicas podem participar de todos os projetos sociais que ofertamos, tudo depende da própria criança se sentir bem e à vontade, pois cada uma tem seu limite. Tivemos o Dentista Solidário, Amigas Kids, Natal Solidário e o Unidas, realizados com elas, e foi um sucesso! 

Dizer que é fácil, não é. Em alguns momentos as mães são nossos suportes, pois sabem exatamente o que a criança precisa naquele momento, e respeitamos o tempo dela, e tentamos novamente! O segredo do sucesso é o amor!”, finaliza Paloma. 

Relato de um autista 

A Meiry mora na cidade de Arujá, onde realiza um trabalho social com as pessoas atípicas. Ela conta que a cidade possui mais de 400 autistas e que, infelizmente, a estrutura é precária, tanto para tratamento quanto para inclusão e cultura. 

Meiry Rocha é autista, tem 53 anos, e está em sua terceira graduação, cursando Direito pela faculdade Cruzeiro do Sul. Em Arujá ela é vice-presidente do Conselho da Pessoa com Deficiência de Arujá, no qual foi eleita através de uma votação, e Diretora de Igualdade Racial. 

Meiry também é mãe atípica, e percebeu a necessidade de inclusão e da falta de opções de lazer na cidade quando ouviu outras mães relatarem a falta de acesso que enfrentavam diariamente. Ela conta que por ter uma melhor condição financeira, conseguia oferecer lazer e cultura para seus filhos autistas se locomovendo para as cidades da região, mas que sentiu que precisava fazer algo pelas mães atípicas que não tinham os mesmos privilégios que ela, e por isso iniciou seu projeto social na cidade com a Organização UMCAB. 

No dia 11 de junho, a cidade realizou o “Encontro das Mães Especiais”, que reuniu as mães atípicas e seus filhos no Clube União da cidade para um evento com teatro e música. 

“Autista também gosta de música, de teatro. Teve uma mãe que me mandou um relato de que seu filho, que é autista severo, dificilmente fica sentado para assistir a filmes. Mas quando ele viu a peça teatral, ele ficou 32 minutos sentado. Então nós descobrimos um hiperfoco. O teatro, a arte, vem como terapia. Tudo o que fazemos com amor, vai ser depositado e elas vão sentir. O teatro é para todos!”, finaliza emocionada. 

Foto: Reprodução | Pexels 

Mesmo com todas as limitações que as crianças neurodivergentes possuem, incluir e acolher dentro do cenário cultural, se preocupando em capacitar os profissionais para esse relacionamento, com certeza é um fator diferencial para que a arte e a cultura sejam cada vez mais acessível e transformadora. 

Na editora FTD Educação, por exemplo, alguns clássicos foram adaptados para que crianças neurodivergentes pudessem ler juntamente com suas famílias. Um exemplo é a coleção “Clássicos ao meu alcance”, que revisita as obras internacionais “O Mágico de OZ”, “Pinóquio”, “Alice no País das Maravilhas”, “Peter Pan” e “O Pequeno Príncipe”, trazendo uma adaptação por Carlos Scataglini, que é o maior especialista de didática simplificada da Itália. As histórias são contadas com frases curtas, com bastante ilustração colorida, trazendo uma narrativa simplificada para que cada criança possa ler no seu próprio tempo.

Além da coleção, a FTD também possui a obra “As aventuras de um cão chamado Petit”, escrito por Heloisa Prieto. A história conta a amizade entre Alice, uma criança autista, e seu cão Petit. O livro, além de contar com o talento da ilustradora Maria Eugênia, também teve o posfácio assinado pela psicanalista Raissa Pala Veras. 

Dia 18 de Junho é Dia do Orgulho Autista 

O Dia do Orgulho Autista é celebrado no dia 18 de junho, e surgiu como uma iniciativa do grupo Aspies for Freedom, no Reino Unido. A primeira celebração da data aconteceu em 2005, e rapidamente se tornou um evento global. Hoje, a data marca o combate à desinformação e preconceito, celebrando a neurodiversidade. 

Neste mês, queremos celebrar não somente o Orgulho Autista, mas também fortalecer a luta dos direitos das pessoas neurodivergentes e contribuir para que a informação seja levada adiante, desconstruindo preconceitos e quebrando barreiras na nossa comunicação e desenvolvimento. 

Bárbara Barbero  
Graduanda em jornalismo pelo Faculdade Católica Paulista e estudante de teatro. Ama gatos, arte e as palavras.
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