No coração do educador pulsa o desejo de construir relações. Afinal, o processo de aprendizagem não se dá de forma isolada, mas em um processo profundamente humano e colaborativo, onde vínculos, afetos e interações moldam não apenas o conhecimento, mas também a nossa cosmovisão: maneira como nos percebemos no mundo.
Bons docentes costumeiramente estão refletindo sobre como melhorar a qualidade da Educação e aumentar a aprendizagem da turma. Muitas vezes, versamos sobre currículo, metodologias ativas, avaliações e tecnologias, entretanto, raramente se fala sobre a necessidade de desenvolver uma cultura escolar baseada em relações horizontais, firmadas no cuidado, na escuta, na valorização mútua e na construção de relações significativas.
O livro As 5 Linguagens do Amor (Chapman, 1995), apresenta a ideia de que o amor se expressa e se recebe por meio de cinco formas distintas: palavras de afirmação, tempo de qualidade, presentes, atos de serviço e toque físico. Buscar entender qual linguagem do amor predomina em cada pessoa é fundamental para que os relacionamentos se fortaleçam, pois a comunicação afetiva só acontece de fato quando o amor é “falado” na linguagem que o outro entende.
É bem verdade que Gary Chapman escreveu esse livro pensando, a princípio, nos desafios dos relacionamentos conjugais. Mas seus princípios dialogam diretamente com qualquer espaço onde haja gente convivendo, interagindo, crescendo e se desenvolvendo. E poucos ambientes são tão potentes para o desenvolvimento humano quanto a escola. Um lugar onde as competências socioemocionais são tão determinantes quanto as cognitivas.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece claramente que a formação integral dos alunos depende do desenvolvimento de habilidades como empatia, responsabilidade, autocuidado, resiliência e colaboração.
Quando a escola se apropria das cinco linguagens do amor, ela faz uma escolha intencional: construir uma cultura fundamentada no cuidado, no reconhecimento, na presença genuína e no compromisso verdadeiro com o outro.
Isso vai além de formar alunos que apenas decoram conteúdos — trata-se de formar seres humanos inteiros, capazes de se relacionar, cooperar e se responsabilizar pelo mundo que constroem dentro e fora da escola. Dessa forma, a escola se torna um ambiente onde todos os envolvidos constroem vínculos afetivos que potencializam o aprendizado e o crescimento humano.
Neste artigo, traçamos paralelos entre as linguagens do amor de Chapman e as competências socioemocionais da BNCC, para refletir sobre como o cuidado e a comunicação afetiva podem virar práticas concretas que transformam a escola e fortalecem sua comunidade.
Conheça as cinco linguagens do amor e suas conexões com o cotidiano escolar
1. Palavras de afirmação: o poder que mora na voz e na escuta
Segundo Chapman, uma das formas de expressar amor emocional é usar palavras que edificam. Uma palavra gentil pode transformar o dia de uma pessoa então, nada é mais forte que o impacto de uma palavra dita no momento certo. Viviane Mosé (2013) defende que a palavra tem força criadora — ela constrói realidades, mobiliza afetos, gera pertencimento.
No contexto escolar, palavras de afirmação são muito mais do que simples elogios ou gentilezas vazias. Elas são, na verdade, pontes que conectam pessoas, validam esforços e, sobretudo, ajudam a construir identidades. Quando um professor olha nos olhos de um aluno e diz com sinceridade: “Eu acredito em você”, ele não está apenas motivando. Está, na verdade, plantando uma semente poderosa de autoconfiança que, quando regada no cotidiano, pode florescer e transformar trajetórias acadêmicas, afetivas e de vida.
Desenvolver a linguagem das palavras de afirmação na escola é uma das formas mais poderosas de fortalecer vínculos, elevar a autoestima e construir um ambiente de aprendizagem mais saudável. E isso nasce de pequenas escolhas diárias, como começar a aula com uma frase positiva — “Hoje é mais uma chance de aprendermos juntos” —, criando um clima de acolhimento e pertencimento.
Uma prática simples e potente é o mural da autoestima, onde os alunos deixam mensagens reconhecendo qualidades, esforços e atitudes dos colegas. Esse gesto transforma a dinâmica da turma e fortalece vínculos. Até na correção de erros, a palavra faz diferença. Trocar julgamentos por falas construtivas — como “Você ainda não acertou, mas seu esforço mostra que está no caminho certo” — ensina não só conteúdo, mas também resiliência e persistência.
Bernard Charlot (2000), ao discutir o conceito de “relação com o saber”, afirma que o sentido que o aluno atribui à aprendizagem está diretamente ligado às experiências afetivas e sociais que ele vive na escola. Uma palavra de afirmação pode, portanto, ser decisiva para que o aluno sinta que aprender vale a pena.
2. Tempo de qualidade: a presença que faz diferença
Nessa linguagem, compreendemos que dar atenção de qualidade significa olhar nos olhos, escutar de verdade, estar presente com a mente e o coração. Em um mundo acelerado, o tempo de qualidade se torna um presente raro e valioso. César Coll (2004), ao tratar da personalização da aprendizagem, nos lembra que cada estudante tem ritmos, histórias e necessidades que só podem ser percebidas quando há presença genuína.
Na escola, tempo de qualidade não é uma questão de quantidade, mas de presença genuína e significativa. Estar inteiro no momento, olhar nos olhos, ouvir sem pressa, dedicar atenção plena. Quando um professor reserva alguns minutos para compreender a desmotivação de um aluno, não está só resolvendo um problema pontual, mas fortalecendo competências essenciais como empatia, autocuidado e responsabilidade emocional, pilares fundamentais da BNCC.
Desenvolver a linguagem da qualidade de tempo na escola é, acima de tudo, um posicionamento intencional: escolher estar inteiro nas relações, mesmo em meio às pressões do cotidiano. E isso se traduz em práticas simples, mas profundamente potentes, como criar rodas de conversa, onde alunos podem compartilhar sentimentos, desafios e conquistas. Desligar celulares em reuniões e atendimentos não é detalhe, é uma declaração de que, naquele momento, as pessoas importam mais que qualquer notificação. Além disso, perguntar “Como você está se sentindo hoje?” fortalece vínculos, gera pertencimento e humanizam as relações. No fim, oferecer tempo de qualidade não é só um gesto de cuidado, é uma escolha ética, pedagógica e profundamente transformadora.
3. Presentes: símbolos de afeto e reconhecimento
No livro, Chapman afirma que presentes são símbolos visuais do amor, e que seu valor não está no preço, mas na intenção, no cuidado e no significado que carregam. No ambiente escolar, muitos podem subestimar essa linguagem, rotulando-a de materialista ou superficial. Contudo, quando compreendidos como expressões simbólicas de apreço e reconhecimento, os presentes assumem um papel extremamente potente na construção de vínculos, no fortalecimento da autoestima e na promoção do senso de pertencimento. Essa prática, longe de ser um gesto meramente material, torna-se uma estratégia de afeto, acolhimento e valorização do outro.
Na escola, esses pequenos gestos têm um poder que, muitas vezes, passa despercebido, mas que faz toda a diferença nas relações. Quando um estudante recebe uma palavra incentivadora, uma lembrança feita à mão, uma mensagem de gratidão ou até mesmo um simples objeto cheio de significado, há uma ebulição de sentimentos dentro dele.
É como se, naquele gesto, estivesse embutida uma mensagem silenciosa, porém poderosa: “eu te vejo, você é importante, sua presença faz diferença aqui”. E quando esse tipo de cuidado se torna prática constante na cultura da escola, os resultados transbordam para muito além do clima escolar. Fortalece-se a empatia, aprofunda-se a colaboração e desperta-se a autorresponsabilidade. Afinal, ninguém cresce sozinho, e é na força dos vínculos, no afeto trocado e no reconhecimento mútuo que se constrói um ambiente verdadeiramente saudável, acolhedor e propício para aprender, ensinar e, acima de tudo, se desenvolver como ser humano.
Além disso, os presentes ajudam a construir rituais de pertencimento e valorização, elementos que são fundamentais para o desenvolvimento socioemocional, como bem ressalta Leo Fraiman (2024) em seu trabalho com o programa OPEE. Ele destaca que, quando uma escola investe intencionalmente em ações que reforçam a importância de cada indivíduo no coletivo, ela planta sementes de saúde emocional, autoconfiança e engajamento, tanto nos alunos quanto nos educadores. E mais do que nunca, educar para a vida significa também cultivar esses pequenos grandes gestos que, somados, constroem relações fortes, ambientes mais humanos e, consequentemente, melhores condições para ensinar e aprender.
4. Atos de serviço: o amor que se concretiza em ações
Chapman escreve: “Os atos de serviço expressam amor quando são feitos com disposição, atenção e dedicação.” Na Educação, servir é essencial. O professor serve ao seu aluno oferecendo conhecimento, escuta, apoio emocional e presença constante. Mas para que essa entrega seja sustentável, ele também precisa ser cuidado. Logo, se existe uma linguagem profundamente potente na escola, é a dos atos de serviço.
Quando um professor se dedica a preparar uma atividade diferenciada para um aluno com dificuldade, está dizendo: “Eu me importo com você.” Do mesmo modo, um gestor que se envolve na resolução de conflitos, oferece apoio emocional à equipe ou reorganiza demandas para aliviar a sobrecarga pratica a liderança servidora. Ao apoiar em situações emergenciais, como cobrir uma aula ou facilitar acesso a recursos pedagógicos, o gestor também fala a linguagem dos atos de serviço. São esses gestos que constroem confiança e fortalecem a parceria.
5. Toque físico e acolhimento simbólico: o corpo e o cuidado na escola
O toque físico na escola deve ser sempre mediado pelo respeito, pela ética e pelos limites de cada pessoa. No entanto, isso não significa renunciar às expressões de acolhimento que são fundamentais para a construção de segurança emocional e vínculos.
No ambiente escolar, o toque pode acontecer de formas simbólicas: um olhar caloroso, um sorriso sincero, um gesto de acolhida na porta da sala, um “joinha”, um toque no ombro em sinal de apoio. São comunicações não verbais que dizem ao outro: “Você está seguro aqui.”
Para desenvolver a linguagem do toque no ambiente escolar, pequenas ações fazem toda a diferença. Receber os alunos todos os dias com um gesto simples, como um sorriso, um aceno ou uma breve conversa, já cria um clima de acolhimento. Também vale investir em espaços com murais, cantinhos de acolhida ou áreas de relaxamento que convidem ao conforto e à calma. Atividades que incentivem o olhar atento e a escuta, como dinâmicas de empatia e jogos cooperativos, ajudam a fortalecer os vínculos. Pequenos gestos e cuidados que, juntos, transformam a rotina escolar em um ambiente mais humano e acolhedor. O corpo fala, e a escola precisa recuperar sua função de espaço seguro, de aconchego e de desenvolvimento integral.
Conclusão: Educar é amar com propósito, intenção e presença
Falar das cinco linguagens do amor na escola não é apenas um convite ao afeto! É um chamado à intencionalidade nas relações, na gestão e no ensino. É compreender que educar vai muito além dos conteúdos; é construir presenças que acolhem, palavras que fortalecem, gestos que cuidam e vínculos que sustentam.
Quando a escola escolhe nutrir relações com base no respeito, no cuidado e no reconhecimento, ela deixa de ser apenas um espaço de transmissão de saberes e se torna um ambiente de transformação, onde cada sujeito é visto, escutado e valorizado em sua inteireza. Assim, ensinar e aprender ganham outro significado: tornam-se processos que formam não apenas estudantes, mas cidadãos conscientes, empáticos e capazes de impactar positivamente o mundo.
Que sejamos, todos os dias, educadores que falam com o coração. Que nossas práticas comuniquem, sem precisar de muitas palavras, que cada pessoa importa, que cada história tem valor, e que, mais do que preparar para provas, nossa missão é preparar para a vida.
Bibliografia
- BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2017.
- CHAPMAN, Gary. As 5 Linguagens do Amor. São Paulo: Sextante, 1995.
- CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria da escolarização. Porto Alegre: Artmed, 2000.
- COLL, César. Ensinar e aprender: uma nova abordagem. Porto Alegre: Artmed, 2004.
- FRAIMAN, Leo. Projeto de Vida e Atitude Empreendedora – Volume 7. São Paulo: FTD Educação, 2024
- MOSÉ, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
- PACHECO, José. Educação: utopia possível. São Paulo: Cortez, 2001.