Em tempos de pressão constante por resultados, cuidar da saúde emocional dos educadores torna-se um ato fundamental de resistência e humanização da escola. Este texto oferece uma reflexão profunda e sensível sobre os desafios emocionais enfrentados pelos profissionais da Educação, propondo caminhos concretos para uma escola mais saudável e acolhedora.
Muito além da mera produção e transmissão de conteúdos, a escola contemporânea é um complexo tecido de relações humanas onde as emoções não são apenas coadjuvantes, mas protagonistas essenciais. Nela circulam histórias, dilemas, expectativas e desafios diários que influenciam diretamente o equilíbrio emocional dos educadores.
Professores, gestores e técnicos educacionais convivem com demandas emocionais intensas, que vão desde o manejo de conflitos até a exigência constante de desempenho. Por isso, investir na saúde emocional desses profissionais é vital não só para o bem-estar individual, mas para criar ambientes educacionais mais acolhedores e efetivos.
Sensações, emoções e sentimentos: navegando pela complexidade emocional
Antes de cuidar, é preciso compreender o que sentimos. Existem importantes diferenças entre sensações, emoções e sentimentos:
- Sensações são reações imediatas e fisiológicas aos estímulos externos, como sentir calor ou frio.
- Emoções são reações rápidas e intensas diante de eventos específicos, como a alegria de uma conquista ou o medo de uma ameaça.
- Sentimentos são estados emocionais mais complexos e duradouros, frutos da interpretação consciente das emoções, como o amor, a empatia ou a tristeza profunda.
Essas distinções são fundamentais para a alfabetização emocional, permitindo que educadores identifiquem e regulem melhor suas próprias emoções e ajudem seus estudantes nesse mesmo caminho.
A complexidade emocional pode ser compreendida também à luz das reflexões de Edgar Morin sobre a natureza humana. Segundo Morin, somos simultaneamente Homo sapiens, dotados de razão e capacidade lógica, e Homo demens, seres emocionalmente complexos e frequentemente contraditórios. Reconhecer essa dualidade inerente ao ser humano é essencial para desenvolver abordagens e relações que respeitem e integrem tanto a dimensão racional quanto a emocional dos indivíduos. Não é possível compreender minimamente o ser humano sem integrar essas duas dimensões essenciais. Reconhecer essa complexidade implica ajudar as pessoas a cultivarem uma perspectiva equilibrada, acolhendo de forma harmoniosa tanto o lado racional quanto o emocional.
Nosso maior desafio está justamente em articular o sapiens e o demens, permitindo que nossas capacidades racionais sejam enriquecidas pela sabedoria emocional e pela ética, enquanto nossos impulsos emocionais possam ser expressos de maneira criativa, saudável e construtiva. Essa integração é crucial para enfrentarmos os desafios do mundo contemporâneo, que demandam tanto o rigor científico quanto a sensibilidade necessária às relações humanas e ao cuidado com a natureza.
Os desafios contemporâneos da saúde emocional
No livro A Sociedade do Cansaço (2015), Byung-Chul Han destaca como a sociedade moderna, marcada pela pressão constante por desempenho e produtividade, gera exaustão física e mental. Esta realidade se intensifica nas escolas, onde educadores frequentemente enfrentam cobranças excessivas, acumulam funções e sentem dificuldade de se desconectar das tarefas profissionais.
Han ainda aprofunda sua crítica em A Agonia de Eros (2017), apontando que o neoliberalismo e a cultura da alta performance criam uma hiperindividualização, isolando emocionalmente as pessoas e deteriorando o senso comunitário. Nesse contexto, os profissionais da Educação muitas vezes sentem-se solitários, emocionalmente sobrecarregados e pouco amparados, o que compromete sua capacidade de cuidar de si mesmos e dos outros.
Sofrimento e adoecimento
Uma importante reflexão sobre saúde emocional vem da psicanalista Vera Iaconelli, no livro Felicidade Ordinária (2024). Ela esclarece uma diferença crucial: o sofrimento é parte inevitável e natural da experiência humana, enquanto o adoecimento requer intervenção e cuidados especializados.
“Diferenciar sofrimento de adoecimento é fundamental. Sofremos porque somos humanos e cientes dos riscos de existir e saboreamos a vida pelo mesmo motivo. É algo intrínseco ao fato de termos adquirido consciência. Já o adoecimento é de outra ordem e, portanto, requer que o tratemos. Não passamos pela vida sem adoecer, mas não podemos confundir adoecimento com sofrimento. Quando patologizamos o sofrimento, adoecemos por tentarmos eliminar a dor de existir.” (IACONELLI, 2024, p.15)
No Brasil, observamos altos índices de medicalização da vida cotidiana, especialmente nas escolas, onde o sofrimento emocional frequentemente é tratado de forma precipitada como adoecimento. Essa medicalização excessiva pode enfraquecer a capacidade natural de lidar com as dificuldades inerentes à vida escolar e profissional, aumentando a vulnerabilidade emocional dos educadores. Ao patologizar emoções naturais como tristeza ou angústia, corremos o risco de criar uma geração de profissionais emocionalmente fragilizados, dependentes de intervenções médicas e com reduzida capacidade de resiliência emocional.
Alfabetização emocional: permissão para sentir
Marc Brackett, psicólogo especializado em educação emocional, defende em Permissão para Sentir (2021) que aceitar e validar nossas próprias emoções é essencial para um equilíbrio emocional sustentável. Quando os educadores têm liberdade para expressar suas emoções sem medo de julgamento, o resultado é um ambiente mais humano e acolhedor.
Para promover essa alfabetização emocional, é importante:
- Criar espaços seguros nas escolas para que os educadores possam compartilhar suas emoções.
- Incentivar práticas regulares de observação e identificação dos próprios sentimentos.
- Ensinar e praticar técnicas efetivas de regulação emocional, como meditação, mindfulness e pausas estratégicas.
Construindo a saúde emocional em três pilares essenciais
Para que as escolas sejam espaços de bem-estar emocional, três pilares devem ser considerados:
- Ambiente acolhedor e emocionalmente seguro: Promover um espaço físico e emocional onde todos se sintam protegidos e respeitados.
- Fortalecimento das relações interpessoais: Investir em comunicação clara, respeitosa e empática entre todos os membros da comunidade escolar, utilizando ferramentas como comunicação não violenta e escuta ativa.
- Autoconhecimento e regulação emocional: Proporcionar formação contínua aos educadores para que possam desenvolver habilidades de autoconhecimento e regulação emocional, tornando-se exemplos para os estudantes.
Cuidar de si para poder cuidar dos outros
A saúde emocional é um compromisso individual e coletivo. O autocuidado não é um ato egoísta, mas sim um gesto essencial para quem cuida, ensina e guia os outros. Ao cuidar bem de si mesmos, os educadores fortalecem seu bem-estar e contribuem para uma escola emocionalmente saudável, que reconhece nas emoções uma potência educativa essencial.
Este texto é um convite ao cuidado consciente e coletivo, promovendo ambientes escolares emocionalmente saudáveis e preparados para transformar desafios em oportunidades de crescimento.
Referências:
- BRACKETT, Marc. Permissão para sentir. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.
- HAN, Byung-Chul. A agonia de Eros. Petrópolis: Vozes, 2017.
- HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
- IACONELLI, Vera. Felicidade ordinária. Rio de Janeiro: Zahar, 2024.
- MORIN, Edgar. O Método 5 – A humanidade da humanidade: a identidade humana. Tradução de Juremir Machado da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.