Engana-se quem pensa que comunicação não-violenta é a ausência de conflito. Ou ainda quem acredita que seja a amabilidade em excesso. Para desmistificar esses pensamentos, a professora de Inglês, palestrante e consultora educacional Carol Romano faz um panorama geral sobre a prática e como educadores podem usá-la a seu favor na sala de aula.
A conversa está disponível nos principais tocadores de podcasts do mercado e também por aqui com a audiodescrição completa. Vale a pena prestar muita atenção em toda a conversa, refletir e compartilhar com a escola.
Que seja muito proveitoso para você!
CR – Carol Romano
GF – Gabriel Falk
(intervenções simultâneas) – falas ao mesmo tempo
[correções] – correções de conteúdo
[inserções] – palavras ou trechos faltantes
[Música] – pausa musical
[Música]
Gabriel Falk: Oi, ouvintes! Eu sou Gabriel Falk, e sejam bem-vindos a mais um episódio do Evolution Teacher Talks, um podcast da StandFor, o selo de língua inglesa da FTD Educação. Todo programa eu convido professores e profissionais do ensino e aprendizagem de idiomas, e hoje a gente vai conversar com a Carol Romano sobre comunicação não violenta no ensino de inglês. Comunicação é a principal ferramenta de trabalho do professor dentro da sala de aula e minha também, pilotando os microfones desse podcast. E a maneira como nos comunicamos com as demais pessoas, sem dúvida, é o nosso maior desafio. Para os professores, a maneira como falam com os alunos pode influenciar a forma como eles compreendem o que está sendo passado? Como que é possível se comunicar de maneira mais clara e efetiva? Qual que é o papel da empatia no processo de comunicação não violenta? No episódio de hoje, vamos conversar com a Carol Romano sobre comunicação não violenta no ensino de inglês. Eu vou apresentá-la para vocês, e logo a gente começa o nosso episódio. A Carol Romano acredita que aprender inglês com prazer e confiança eleva a autoestima, e abre portas e janelas para novas experiências. Carol ensina inglês, mas também canta, dança e sapateia. Isso não é só modo de dizer. Carol foi aquela uma faladeira que você ia querer mandar para a sala da diretora. Hoje é professora de inglês, palestrante, consultora acadêmica e treinadora de professores. É formada em Ensino de Inglês e Literatura pela UFMG, tem formação livre em Artes e pós-graduação em Educação. Carol é certificada pela Universidade de Cambridge, Train the Trainer, CELTA e CPE (Cambridge – C2). Depois que as aulas do dia terminam, Carol vai estudar o espanhol, que é, na verdade, o seu idioma favorito.
[Música]
GF: Oi, Carol! Bem-vinda ao Evolution Teacher Talks e obrigado por aceitar nosso convite.
Carol Romano: Oi, Gabriel! Obrigada pelo convite, é um super prazer estar aqui com vocês.
GF: Prazer é todo nosso. Carol, eu acredito que um dos melhores pontos de partida que a gente tem para esse episódio é entender o conceito de comunicação não violenta. Como que você costuma definir esse termo?
CR: Gabriel, eu gosto de definir comunicação não violenta pelo seu oposto. Então muitas pessoas pensam que o contrário de comunicação não violenta é comunicação violenta, e, na verdade, a gente não está falando sobre agressividade, estamos falando sobre honestidade. Então o que seria, então, uma comunicação violenta? Seria um tipo de comunicação em que eu não me expresso de forma honesta, de forma clara, então, tem a ver também com uma forma de ouvir em que, em vez de fazermos suposições, nós praticamos uma escuta empática e aberta.
GF: Uma comunicação efetiva demanda muito hábito e muita flexibilidade, pois a maneira como a gente conversa com outras pessoas pode ser muito diferente. Maneira, como eu estou conversando com a Carol aqui, muitas vezes precisa ser diferente da maneira como eu vou endereçar determinado ouvinte, porque a Carol absorve esse conteúdo e a forma como eu falo de determinada maneira, ela tem todo um background diferente de quem está ouvindo a gente por uma plataforma de streaming, por exemplo. Como que a gente pode organizar o nosso pensamento, considerando comunicação não violenta? Existe algum tipo de método, roteiro, prática, e até mesmo um termômetro? Porque eu acredito que o quanto a gente se comunique, a maneira como a gente se comunica, é um piloto automático. A gente acorda, escova os dentes, toma nosso banho e liga um piloto. Olha, eu me comunico dessa forma, e normalmente é algo que a gente não leva muito em consideração ou pensa muitas vezes antes de falar, a gente simplesmente vai lá, abre a boca e quando vê já está conversando. Como que a gente pode ter essa consciência de como a gente está conversando e com quem que a gente está conversando?
CR: A primeira coisa é entender que a comunicação não violenta não é apenas uma forma de a gente se expressar mas também de ouvir. Então, se a gente entende a comunicação como esse caminho de duas vias, fica mais rico, fica mais fácil. Como você disse, sair desse automático. Eu tenho, sim, que entender, vamos dizer, quem é meu público-alvo, não é, a forma com que eu converso com você, ou com os meus alunos ou com a minha família é diferente. Então, quando a gente fala sobre comunicação não violenta, é uma ideia muito bonita, ela é quase romântica. Porém existe um método, existe uma forma de organizar o pensamento para que a gente conduza, ainda que internamente, esse processo. Então a gente diz que o processo da comunicação não violenta tem 4 passos. Para a gente falar sobre comunicação não violenta, a gente tem que imaginar que todo o processo de comunicação é baseado em algo que eu preciso. Então, tudo o que a gente diz está a serviço das nossas necessidades. Pode ser uma coisa muito simples, como pedir um favor de um colega de trabalho, ou algo um pouco mais complicado, como pedir que o aluno faça uma tarefa ou que ele conduza seu comportamento em sala de aula de uma forma diferente. Então a gente parte do princípio de que tudo o que fazemos está a serviço das nossas necessidades. Então, esses quatro passos da comunicação não violenta, do processo da comunicação não violenta, eles nos ajudam a fazer uma organização interna. Partindo, então, do princípio de que somos todos criados em um sistema, que é baseado nessa dicotomia do bom/do ruim, do certo/do errado, do feio/do bonito, a primeira coisa que a gente faz num processo de comunicação não violenta é se dissociar dessa dicotomia, é se dissociar desse julgamento. Então, o primeiro passo da comunicação não violenta é a observação. E essa observação, Gabriel, ela é feita sem julgamento. A gente vai dissociar, então, essa ideia de que eu olho e eu avalio. Eu gosto sempre de usar o exemplo, por exemplo, de um aluno que está sempre mexendo no celular durante a aula. Esse é o exemplo clássico que eu dou nas minhas palestras, né. Em geral, quando eu chego para essa sala de aula e eu conheço a minha turma, eu já tenho uma série de expectativas, então muitas vezes eu acho que aquele aluno já faz aquilo só para me irritar, então aquele aluno está fazendo aquilo numa dinâmica de enfrentamento, de rebeldia. Então, quando eu olho para aquela cena, é muito difícil que eu apenas olhe e veja alguém usando o celular. Em geral eu vou pensar “olha lá, já veio para me irritar”. Então a primeira proposta da comunicação não violenta é que você chegue a esta cena. Vamos imaginar, vocês podem aí, quem está ouvindo, imaginar qualquer cena que seja um gatilho de irritação de problema para vocês, né, a minha, é o aluno mexendo no celular. Então eu chego e falo “bom, meu aluno está mexendo no seu celular”, então, não é aluno preguiçoso, aluno rebelde, aluno chato, aluno desobediente, é uma cena. E eu descrevo essa cena. O primeiro passo, então, da comunicação não violenta é observação sem julgamento. Então, é muito comum a gente pensar “ah, mas eu julgo, eu sou uma pessoa super empática, imagina, né. A gente imagina o julgamento como algo terrível, quando, na verdade, Gabriel, o julgamento é uma habilidade que nos trouxe até aqui como raça humana. Se valeu a pena, se não valeu, a gente já não sabe atualmente. Desde quando éramos pessoas das cavernas, né, o julgamento me ajudava a entender se aquela colheita ia dar para aquele inverno, se eu tinha tempo de escapar. daquela pantera até eu chegar à minha caverna. Então a capacidade de julgamento, ela nos faz quem somos, ela é essencial até para eu atravessar a rua, para eu julgar os perigos recorrentes, assim, do dia a dia. E eu gosto muito de uma frase do Andy Puddicombe, do Headspace, que ele fala que não julgar é tão impossível quanto impedir que nossas vendas unhas cresçam. Então, assim, desista, humanos, ninguém aqui é um alecrim dourado. Estamos todos muito experts na capacidade de julgar, porque ela é necessária para nossa vida. O interessante aqui é ver o quanto julgamos e a serviço de que trabalha esse julgamento. A gente trabalha, então, com os quatro passos, em que o primeiro, então, é a observação sem julgamento, “meu aluno está mexendo no celular”. Segundo passo da comunicação não violenta: sentimento. Aquilo que eu observo me gera um sentimento, então eu posso me sentir com raiva, eu posso me sentir triste, eu posso me sentir ansiosa, eu posso me sentir frustrada. E eu vou te dizer uma coisa, a gente não é capaz de sentir muita coisa, não, porque, em geral, quando a gente entra observando com julgamento, a gente vai dizer “eu me sinto desafiada”, e desafio não é um sentimento. Ou “eu sinto que você está me desobedecendo”, então, em geral, esse passo, esse segundo passo do sentimento de identificar o sentimento da comunicação não violenta, é preciso que a gente use verbos transitivos: “eu me sinto frustrada”, “eu me sinto triste”, “eu me sinto ansiosa”, e não “eu sinto que você está me afetando”, né, esse “eu sinto que…” não funciona dentro do processo da comunicação não violenta. Então estou observando que meu aluno está mexendo em seu celular. Passo 2: isso que eu vejo gera em mim, ou os meus processos internos, a forma com que eu me construí como um indivíduo, ao ver uma cena como essa, produz um sentimento X. Frustração, ansiedade, algo negativo.
GF: A lista é longa.
CR: Como se diz por aí, “somos apenas plantinhas com sentimentos complicados”, não é isso? Precisamos de água e terapia. Água, Sol e terapia. E então, o que acontece? No segundo momento, a gente precisa identificar o que é aquela observação, o que eu trago ao encontrar aquela cena? Então, o primeiro passo, observação sem julgamento. Segundo passo, identificar um sentimento transitivo direto. Então, “eu me sinto feliz”, “eu me sinto triste”, “eu me sinto ansiosa”, “eu me sinto com raiva”. Terceiro passo do processo da comunicação não violenta: necessidade. Identificar qual necessidade está por trás daquele sentimento. Uma mesma cena pode detonar em mim ou em você sentimentos diferentes. Então, o que acontece é que quando eu vejo meu aluno mexendo no seu celular, eu me sinto frustrada. Eu me sinto triste, porque, enquanto educadora, eu tenho uma necessidade de relevância no meu trabalho. E, pelos nossos códigos culturais, alguém que está olhando para o seu celular não está prestando atenção na minha aula, correto? Veja bem, é apenas uma observação, eu ainda não sei se ele está nervoso, esperando uma mensagem, se ele está me desafiando, se a mãe dele precisa telefonar para ele, porque ela está viajando, então a parte de não fazer suposições, ela tem que estar presente aqui. Então esse terceiro passo, que é identificar qual necessidade pulsa em mim, que faz com que eu me sinta ameaçada naquela cena, tem algo que eu preciso que ocorra, que está sendo ameaçado. A relevância da minha aula, uma relação de respeito e autoridade, talvez, que eu acho importante ter com os meus alunos. Mas o que um professor, então, precisa naquele momento? E como aquela ação ameaça a sua necessidade? Nós temos, todos, necessidades muito básicas, como sociabilidade, comunhão social, integridade física, integridade psicológica. É uma lista de necessidades. O conflito acontece, Gabriel, quando essa minha necessidade é ameaçada, seja ela qual for. Então temos o primeiro passo, observação sem julgamento. Segundo passo, identificar que sentimento parte de mim, então, nesse momento, eu me responsabilizo pelas minhas emoções. Eu não digo “você me faz sentir assim”, “você faz isso para que eu blá, blá, blá”. É um momento de amadurecimento aqui, a gente não pode mais jogar a culpa no outro. E o terceiro momento, que necessidade que pulsa dentro de mim, que faz com que eu me sinta ameaçada diante daquela cena. E, finalmente, temos o quarto passo, então, que é o pedido. O pedido é aquela ação que eu externalizo, é aquele momento que eu externalizo, para aquela pessoa, o que eu preciso que ela faça para que aquele conflito seja solucionado ou, pelo menos, mediado, negociado. Vejo o meu aluno mexendo no seu celular. Com isso, eu me sinto triste, porque eu preciso saber que a minha aula é relevante, então eu peço a ele, “aluno, será que, quando você precisar usar o seu celular, a gente pode achar um momento e um lugar melhor para isso do que agora?”. Eu negocio uma solução, então o pedido, aqui, ele entra como o quarto passo da comunicação não violenta, E, nesse caso, Gabriel, o que acontece? Eu não tenho que fazer esse teatrinho, eu posso simplesmente correr esse script, fazer esse percurso emocional, fazer esse processo de entendimento dentro de mim. E o que chega até a pessoa é o quarto passo. É o pedido. Porque se eu consigo praticar isso dentro de mim e eu verbalizo o pedido, aquela ação é o que eu preciso para que o conflito seja solucionado ou, pelo menos, negociado.
GF: E é até interessante, o quão importante é que o pedido seja o quarto passo, porque, se você antecipar o pedido antes de você observar, de você analisar o teu sentimento e a consequência desse teu sentimento atrelado a tua necessidade como profissional, como professor, o teu pedido vai sair totalmente enviesado. Ele provavelmente não vai ter aquela capacidade analítica que você precisa dos passos anteriores a ponto de conversar de maneira clara e efetiva com a outra pessoa, com um aluno, por exemplo, mexendo no celular, pelo próprio exemplo que você acabou dando. E é interessante observar esses quatro passos, e pegando até o contexto da primeira pergunta, onde você falou da agressividade versus honestidade, porque quando a gente pensa em comunicação não violenta, eu automaticamente associo “então quer dizer que eu tenho que ser gentil o tempo inteiro? Eu tenho que sempre falar com aquele sorriso de orelha a orelha?”. Os ouvintes não estão me vendo neste momento, mas sabem que estou falando com um sorriso aberto pela maneira como eu estou me expondo aqui. Então a gente quebra um pouco, né, esse paradigma do quanto você tem que ser gentil o tempo inteiro. E aí eu já te pergunto, considerando esses quatro passos, qual que é o exercício, em termos comunicativos, para se evitar realmente a parte da agressividade no momento da fala? Eu acho que seria interessante a gente tentar não apenas ficar na baliza da gentileza, mas principalmente quais são os exercícios e quais são pontos importantes para o profissional, e também do interlocutor, do aluno, em evitar que uma discussão, em que uma conversa precisa ir para um caminho literalmente violento, né, verbalmente, principalmente falando.
CR: Antes de dar essa sugestão, eu queria dizer que ser gentil o tempo todo, Gabriel, é um jeito muito violento de viver, sabe? É violento comigo, é violento com você, porque eu não estou sendo honesta, então a comunicação não violenta é uma comunicação honesta e empática, e ela pode ser altamente desagradável. As pessoas confundem muito ser gente fina o tempo todo, ser gentil e bacaninha o tempo todo. Fazer valer o que eu preciso que aconteça, fazer valer os meus desejos e as minhas necessidades, pode ser altamente desconfortável. Em geral, nós, educadores, ou mulheres, ou brasileiros, não sei, nós temos a tendência de sempre ficar muito preocupados “você está bem? É isso mesmo que você queria?”. É muito comum que a gente minta em favor de uma negociação que é educadinha. Eu vou, então, não falar, por exemplo, sei lá, com meu companheiro, com minha companheira de vida. Eu prefiro evitar esse conflito, e aí eu crio uma guerra dentro de mim, então, vamos combinar, todo mundo, vamos dar as mãos aqui e concordar que comunicação não violenta não é ser educadinho, e gentil, e bacaninha.
GF: E até a maneira da educação excessiva, muitas vezes, a gente associa, aqui os ouvintes, professores de inglês, que tem uma pronúncia muito melhor do que eu, mas é o “passive aggressive”. Quando alguém vem, né, e fala, tipo, de uma forma muito educada, a gente associa a uma agressividade meio passiva a forma como aquela pessoa fala, porque ela não traduz necessariamente o sentimento verídico de como a pessoa realmente está tratando, muitas vezes, uma situação desconfortável. É uma situação onde teu sentimento, ele, naturalmente, não seria algo tão feliz, digamos, ou algo…
CR: Agradável, conveniente?
GF: Exato. E você continua em um nível de agradabilidade tão grande, que não há um match entre o sentimento e a maneira como se comunica.
CR: Perfeito. Essa é uma das chaves, Gabriel, para a comunicação não violenta. Você falou muito bem, acho que você é um fast learner, você aprendeu rapidinho. Porque é isso, não ser honesto é violento, porque isso gera um universo de problemas ao longo do tempo. No caso dos meus alunos, que construção é essa que eu quero ter com a minha sala de aula? Qual é a minha pegada em relação à disciplina? Será que eu sou um professor que acredita que uma turma caladinha é uma turma que está aprendendo? Tem um outro livro, que eu vou indicar aqui no final para vocês, é o de educação não violenta, que fala isso, a obediência mata a responsabilidade. Então, se eu quero construir uma relação de treino com meus alunos, eu posso construir também com meu animalzinho de estimação. Eu não quero treinar os meus alunos, eu quero que eles entendam um processo. Então, se eu estou sendo uma boa comunicadora com eles, eu quero também que eles sejam de volta comigo. Então, como você perguntou há pouco, qual é a dica? O que fazer, então? Como que eu vou aplicar isso? O que acontece? A primeira coisa que a gente precisa fazer, até para evitar o passive aggressive, como você falou, é parar de pensar que o mundo acontece por minha causa, ao meu redor. Galileu já esteve por aí, ele já disse que não era bem assim. Então, assim, a gente parar de achar que tudo é para mim, por mim, para me atingir. Então, se eu entro numa sala de aula, se eu entro num relacionamento afetivo, se eu entro numa relação de profissionais de trabalho, por exemplo, pera aí. O mundo não está girando ao seu redor, então acho que a primeira coisa é parar de apontar dedos. O que eu quero, na verdade? Poxa vida, eu preciso que o meu aluno pare de usar o celular durante a minha aula. O que a gente faz normalmente? A gente já chega armado, então, em vez de dizer “poxa vida, aluno, toda aula, mesma coisa, quantas vezes eu vou precisar repetir?”. Por que eu já não chego e falo assim: “queridão, vamos conversar aqui. Eu estou vendo que você precisa muito usar o celular durante a aula. Vamos encontrar um momento melhor para você fazer isso? É que é muito importante, para mim, ver que você está envolvido na aula. Eu estou aqui todo dia trabalhando com isso, você vai ter que passar tantas horas aqui na escola, não vai ter como mudar isso. Vamos criar um momento em que eu cedo um pouquinho e você também?”. Ou não, isso é negociável, isso é uma regra da escola. Vamos tentar entender o que é negociável e o que não é? Então, Gabriel, eu acho assim, é muito importante que a gente já chegue no que eu preciso, e talvez o que eu precise é ser cruel com o amiguinho. Aí eu vou olhar dentro de mim, falar “poxa vida, eu não precisava ter falado isso”. Eu me coloquei, coloquei meu ego ali antes, mil camadas de mim mesma, e mil camadas de violência, e mil camadas de “quero me sentir mais importante que você”, e depois eu falo o que eu preciso. A pessoa nem ouviu, a pessoa só ficou machucada ali por tudo que veio antes.
GF: E essa quebra de relacionamento entre aluno e professor acaba demandando uma reconquista, depois, que ela parece ser muito difícil de ser reatingida, você voltar no mesmo nível de confiança, empatia e até colaboração da própria sala. E aqui, hoje, eu quero aproveitar para fazer um gancho, Carol, que é o seguinte: bonito, perfeito, aí o professor que está ouvindo a gente fala assim: “não dá, já tentei, minha sala é virada no hormônio, e ali ninguém consegue me respeitar e não entende”; “eu tento, Carol, eu sigo os quatro passos, não funciona”. E aí eu queria olhar agora para o cenário de e se a comunicação não violenta ou esse passo, essa mentalidade, não funciona? Qual que é o plano B? O que o professor pode fazer?
CR: Então, não é mágica, às vezes não funciona. Então agora eu vou lançar a mão de uma segunda camada desse processo da comunicação não violenta, que é a escuta. Muitas vezes a gente se preocupa muito em como dizer as coisas e não presta atenção em como a gente está ouvindo o que chega até nós, quais são as nossas questões, o que a gente traz de casa, as nossas dificuldades, né. Uma vez eu li que o autoconhecimento é muito importante, porque nós somos um livro muito bom para não ser lido, cada um de nós, né. Se a gente se recusa a entrar em contato com o que eu trago da minha família, o que eu trago de casa, o que eu trago dos meus traumas ou das minhas, dos meus talentos, dos meus sucessos, meus fracassos, e ativo um filtro mais empático da escuta. Então, assim, então, espera aí, talvez seja eu, então, que não esteja escutando os meus alunos, eu estou muito apegada a noções de disciplina, eu estou muito apegada à uma ideia fixa do papel do professor. Quem é esse professor que eu quero ser? Então, talvez, uma solução seja ativar uma escuta diferenciada. Às vezes não funciona, não, tá gente? Às vezes você vai tomar um café no final do dia, xingar bastante, dormir e pedir um sonho, uma iluminação divina, está bem? Mas eu recomendo analisar como que a gente está recebendo as mensagens que chegam até a gente.
GF: Estudando para a pauta, eu me deparei com um termo que eu achei muito interessante, que eu queria que você explicasse para mim e para os ouvintes, que é a “disciplina positiva”. Você pode explicar para a gente, Carol, o que significa a disciplina positiva?
CR: Então, a disciplina positiva deriva, também, desse conceito, né, da comunicação não violenta, e algumas pessoas falam sobre criação neurocompatível, disciplina positiva, algo da parentalidade ali, de como você cria os seus filhos e como você educa os seus alunos, né. É muito comum que, dentro dos processos pedagógicos, a gente compare muito a dinâmica familiar com a dinâmica de sala de aula. Então aí a gente poderia falar sobre pedagogia, que é o ensino de crianças, e andragogia, que é o ensino de adultos. Eu falo muito com os meus alunos adultos. A gente não vai reproduzir aqui uma dinâmica “você faz a tarefa para me entregar”, essa relação de poder que, se acontece muito entre adultos e crianças, acaba se replicando com os adultos mais velhos. Mas voltando aqui, a pedagogia, a sala de aula com os mais jovens, com os pequenos, quando a gente fala de uma educação empática, a gente está também derivando desse processo em que a gente reaborda os processos de julgamento de certo e errado, de relação entre o adulto e a criança. Tem um vírus circulando nas redes, muito bom, que uma educadora positiva replica com um adulto coisas que fazemos com crianças. Então, por exemplo, vestir um agasalho à força, fazer a criança beijar ou ser simpática com um adulto, fazer a criança que já está lotada comer o prato de comida até o final, né? Então como que a gente é violento no nosso processo com as crianças, porque nós entendemos que a criança é menor, que ela não sabe, que ela ainda vai chegar. Então é um devir eterno dos pequenos, e, nós adultos, completamente desorganizados, apenas crianças super crescidas que acham que estão ali numa relação de poder que acaba fossilizando hábitos e fossilizando práticas em que essa relação de poder, essa relação de superioridade, essa relação de quem sabe e quem não sabe, fica muito, muito aumentada e muito potencializada. Então, dentro de uma educação positiva, o que a gente quer? Primeiro a gente quer desafiar as nossas noções de disciplina e de poder dentro de sala de aula, que normas são essas, quanto a escola em que eu trabalho me permite uma negociação de direitos e deveres, né, que escuta eu estou tendo com os meus alunos, eu estou educando da mesma forma que eu fui educada, será que estou replicando coisas que parecem senso comum porque são corretas, lembra lá do julgamento? O que, de fato, eu preciso como professor? De uma sala de aulas certinha ou de uma sala de aula que esteja aprendendo? Como é esse aprender? Então é um convite. A comunicação não violenta, educação positiva, disciplina positiva fazem um convite a uma melhor comunicação, ao melhor acolhimento das nossas crianças, então acho que seria por aí.
GF: E eu estou muito curioso, porque sempre a gente ouve falar sobre a cultura do feedback, do quão importante ela é. Desde um relacionamento, desde um ambiente profissional. É muito complexo nós mesmos nos avaliar, a gente está muito imbuído de si, e olhar defeitos e melhorias pode ser algo complexo, a gente não sabe onde melhorar, porque a maneira como a gente fala, eu sempre falo que quando nós tomamos uma decisão, raras as vezes que a gente vai tomar uma decisão achando que aquilo vai ser pior para a gente. A gente sempre vai tomar uma decisão de como se comunicar com quem a gente vai estar falando acreditando que é a melhor forma naquele momento, e muitas vezes pode não ser. Um professor que está considerando melhorar, elevar o nível de comunicação dele ou sente que ele precisa prestar mais atenção, principalmente no processo de comunicação não violenta dentro e fora de sala de aula, quais são as melhores sugestões, os melhores caminhos, para que o profissional do ensino e aprendizagem de idiomas consiga entender se ele até mesmo está tendo práticas de comunicação não violenta, ou até mesmo violentas, qual que é o termômetro do professor?
CR: Eu acredito que existem, então, duas vias para a gente olhar; quando você me faz essa pergunta, você me faz pensar em duas coisas. Primeiro é a sua relação com a sua escola, o que a escola te permite fazer? Quais são as abordagens, quais são as crenças que regem a estrutura daquela escola? Então, por exemplo, uma escola que é muito centrada no que a gente chama de avaliação somativa. Então, assim, o aluno é um sucesso, mas se ele não sabe fazer prova, significa que ele não é bom, então a própria relação com a avaliação, em termos da estrutura geral da escola, né. Então, por exemplo, o que é um bom aluno para aquela escola? Como a escola está avaliando aquele aluno globalmente, de forma holística, ao longo dos processos, e não apenas de um dia específico em que aquele aluno precisou fazer uma prova? Então, primeiramente, eu acho que a gente precisa é revisitar as nossas noções de sucesso dentro da escola, e aí eu estou falando de sucesso com relação ao aluno e também, e o que é fundamental, é a relação dos professores com a sua coordenação e com a direção da escola. Como é a gestão da escola em termos de que marcadores são esses que te mostram que a sua equipe é uma boa equipe? Como que você vai conseguir que a sua equipe responda da forma que você precisa? E aí mais uma camada nessa, mil aspas, “hierarquia”, como que o professor está fazendo a mesma coisa com seus alunos? Então, primeiro é, qual é o espaço que a escola te dá para propor uma nova visão ou desconstruções, ou novas formas de entender como aquilo anda, como a relação entre as pessoas anda, como que o produto final, sucesso ou não de um aluno, vai transparecer. Entramos mais um pouquinho, o professor e seu aluno na sala de aula, o que de fato eu consigo fazer? Primeira coisa, o aluno quer ser ouvido, o aluno quer ser acolhido. A coisa que a gente mais faz é não ensinar. É muito comum que a gente acaba se preocupando em fazer com que os alunos fiquem quietos, respeitem o professor, e aqui eu pergunto, o que é respeitar, né? Que noção é essa de disciplina, você acha mesmo que sala de aula é um lugar em que você fala e os alunos escutam? Então, assim, é um convite. Eu acho, Gabriel, assim, entender que tipo de professor você quer ser. Você falou assim “a gente está muito imbuído de nós mesmos”, né? Então, assim, eu falo que eu me considero uma boa professora hoje, as estatísticas dizem que eu sou, não sei, pelo que dizem, parece que sim, porque eu fui uma péssima aluna para os padrões tradicionais. Eu fui uma péssima aluna, eu repetia de ano no colégio, eu não sabia fazer prova, eu tinha ansiedade de matemática. E eu era super bacaninha, eu conversava, eu ia às aulas, mas eu não sabia fazer prova. Então, quer dizer, nunca no meu processo escolar a minha trajetória foi julgada, né, para usar uma palavra bem horrorosa aqui, ela foi considerada de forma global, então o fato de eu ser de uma aluna que não matava aula, que fazia todos os trabalhos, que conversava, que trazia perguntas, isso nunca entrou em questão.
GF: Considerando que o rótulo principal da escola, na visão mais tradicional, era porque você não tinha boas notas, então necessariamente a correlação é que você não era uma boa aluna.
CR: Exatamente. Então, hoje eu tenho professores que me ensinaram, que se identificam com meu trabalho hoje, me seguem nas redes sociais, me pedem dicas, quer dizer, são senhoras que já estão se propondo a uma desconstrução, mil aspas, “tardia”, se é que isso existe, porque acho que nunca é tarde, mas, assim, elas são aposentadas, talvez elas nem ensinem mais, mas algumas, sim, elas me pedem palestras e eu falo “mas eu fui sua aluna”, [e elas respondem] “então, agora você vai me ensinar”. Tem muitas pessoas e não são todas, nem todo mundo vai ser transformado por isso, né, a gente é meio sonhador assim, mas é um ou outro que vai ser tocado, e está certo, é por aí mesmo. Então o que eu digo é analise em que escola você está, qual é a maleabilidade da filosofia da sua escola que te permite essas negociações. E junto com o seu aluno, eu falo, eu recém falei isso numa reunião agora com os Multiplicadores [de Aprendizagem] da FTD, se você tem uma questão de prova que visa compreensão de texto e você está tirando o ponto porque o aluno errou spelling, você não entendeu nada. O que você quer daquela prova? O aluno entendeu o texto, “mas eu vou tirar um ponto, porque aqui era um double T e ele colocou single T. Eu acho que isso de “canetar” é tão violento, pegar a caneta e sair riscando; minha amiga, meu amigo, você está com raiva? Vai esmurrar o travesseiro. Você vai descontar na correção da prova do seu aluno, não é? Então, assim, a gente tem que se conhecer. A gente tem que ser humilde o suficiente para ser teachable, tem que ser ensinável. Não é porque a gente é professor que a gente parou no tempo, então a gente tem que se desafiar mesmo. Esse é um convite, né, para professores e escolas.
GF: E, ó, Carol, vou provar que você ensina muito bem, tá? Porque estou aqui, olhando para você, lembra dos quatro passos que você mencionou lá no começo do episódio?
CR: Opa, vamos ver!
GF: Observação, primeiro passo, né, olhando ali para a participação sem julgamento. Segundo ponto, é o sentimento, usamos verbo transitivo, importante, né, como que eu me sinto, “eu me sinto triste”. A gente tem a parte da necessidade, né, como que essa necessidade conversa com o sentimento. E o quarto ponto é a parte do pedido, considerando todos os três passos anteriores. Como que você, interlocutor, vai gerar uma ação com a pessoa que está ouvindo ali a tua chamada. E o nosso ouvinte, depois de ouvir tudo o que a gente conversou, a gente falou sobre pontos interessantíssimos nesse episódio, mas a gente, infelizmente, precisa, infelizmente, encerrar com a última pergunta, que é: queremos aprender mais, Carol, preciso saber mais sobre comunicação não violenta, onde que eu vou? Qual texto eu leio? Qual livro eu leio? Manda link, passa podcast, como que eu faço?
CR: Então, o Gabriel, eu estou vendo que você prestou atenção na minha conversa, então você me faz ficar muito feliz, porque eu preciso saber que meu trabalho é relevante, então eu peço que você continue fazendo os podcasts, porque ele é maravilhoso, multiplicando isso daí, e eu convido aos ouvintes que leiam o livro do Marshall Rosenberg, Comunicação não-violenta, e, junto com ele, o combo dos milhões, Educação não violenta, da Elisama Santos, brasileiríssima, queridíssima, uma educadora parental que eu admiro muito. Então são esses dois livros aí que ficam para a dica.
GF: Carol, obrigado pela tua participação, foi ótimo ter você aqui na Evolution hoje!
CR: Muito obrigada! Espero que vocês aproveitem bastante esse episódio.
[Música]
GF: Se você gostou desse episódio, segue a gente no Spotify, Apple Podcasts ou na sua plataforma de streaming preferida. Afinal de contas, o Evolution Teacher Talks está disponível em todas elas. Temos episódios novos a cada duas semanas. Quero te convidar também para seguir a gente lá no Instagram através do @FTDEducação, e conhecer os conteúdos extras no site conteúdoaberto.ftd.com.br. Ah, e não esquece de compartilhar com seus colegas de trabalho, família e amigos para conhecerem esse projeto incrível da FTD Educação. Eu te encontro no próximo episódio e até a próxima, pessoal!
[Música]
Ficha técnica
Apresentação: Gabriel Falk
Produção: Nathália Xavier Thomaz
Roteiro: Gabriel Falk
Pauta: Nathalia Xavier Thomaz, Isabel Lacombe
Convidada: Carol Romano
Realização: FTD Educação
Edição: Maremoto