Confira como o escritor, educador e ativista tem criado pontes entre os saberes por meio da literatura.
Desde maio, Daniel Munduruku tem trazido fortes emoções para os telespectadores de “Terra e Paixão” com o personagem do Pajé Jurecê Guató, um xamã que tem plena consciência da situação dos indígenas, oferecendo sempre conselhos sábios. Mas não é apenas na novela que Daniel tem marcado presença representando a sabedoria dos povos originários, sua trajetória como escritor e ativista, reúne mais de 65 livros publicados e inúmeros reconhecimentos por sua atuação cultural.
Com obras que fazem parte da literatura infanto-juvenil e paradidáticos, Daniel tem dois livros publicados pelo nosso selo da FTD: “Vozes Ancestrais” e “Um estranho sonho de futuro”.

Confira nosso bate-papo com o autor falando sobre a sua trajetória como escritor, professor, ativista e agora, como ele mesmo define “educAtor”.
Nesta reta final de “Terra e Paixão” como foi a experiência de participar da novela, não apenas como ator, mas como consultor do Walcyr Carrasco na representação dos povos originários?
Tem sido uma experiência muito interessante porque o primeiro convite chegou para ser mesmo consultor do núcleo indígena que existiria no folhetim. Aceitei imediatamente por entender que meu perfil como escritor se encaixava muito bem na proposta. Acontece que Walcyr foi mais ousado ao me convidar também para estrelar e dar vida ao pajé Jurecê que acabou se tornando um importante diferencial no desenvolvimento da trama. Isso me deixa muito feliz e realizado como educador e escritor.

E esta não foi a sua estreia como ator, não é mesmo? Lá em 2004, você também deu a voz a outro pajé em Tainá 2. Como foram esses convites para atuar?
Eu sou uma pessoa do meu tempo. Gosto de desafios e não me nego em participar de projetos que podem me ajudar na tarefa de construir pontes entre mim e meus leitores. Quando recebo convites procuro avaliar dentro do campo de minha atuação. Assim foi também para os convites para participar de algumas produções de cinema. Participei, como figurante, dos filmes Hans Staden e Desmundo. Todos foram importantes momentos que me ajudaram a saber como encarar o público, burilando, de certa forma, o palestrante que fui me tornando.

Dentre seu vasto currículo, você comenta que é um professor que escreve, um escritor que educa e agora um educAtor, o que isso significa?
Pois é. Assim me vejo: um educador em pleno exercício do ensinar. Faço isso usando todas as ferramentas que disponho ou que tenho acesso. Não abro mão de utilizá-las com esse objetivo de educar. Vale para todos os campos de atuação: na literatura, na educação, nas formações que promovo, nos livros que edito e publico, nas palestras e conferências que faço, nas lives ou nos meus canais digitais e, agora, também na televisão. É simples assim.
A literatura também tem ajudado você nesse trabalho de construir pontes entre conhecimentos?
A literatura é meu principal instrumento. Fiz essa escolha há 30 anos. Não foi nada fácil nem simples, mas posso dizer que tudo o que conquistei foi graças à literatura. Talvez por isso sou um devotado militante desse instrumento. Ela retribui me ajudando a criar pontes entre os saberes ancestrais e os saberes ocidentais na tentativa de criar um diálogo entre essas diferentes linguagens. Meu sonho sempre foi libertar a mente de nossas crianças dos preconceitos e equívocos que acabam aprisionando-as num mundo frio e vazio. Sem leitura não há conhecimento e sem conhecimento não há como exercitarmos nossa humanidade de forma plena. É para isso que escrevo: para não deixar nossas crianças escravas da escuridão do não saber.
“Sem leitura não há conhecimento e sem conhecimento não há como exercitarmos nossa humanidade de forma plena. É para isso que escrevo: para não deixar nossas crianças escravas da escuridão do não saber.”

Contar histórias foi algo natural para você? Por que escolheu escrever para crianças?
Nada é natural em se tratando de exercício da cultura. Natural é comer, beber, dormir. Os conhecimentos são transmitidos de geração em geração e, no caso dos indígenas, o instrumento que se usa para fazer isso acontecer é a oralidade. Nosso povo ensina contando histórias. Portanto, quem aprende, o faz ouvindo histórias. É natural que se cresça já sabendo transmitir os saberes através do uso da palavra falada. Assim sendo, ao me tornar professor, eu passei a exercitar o contador de histórias que morava dentro de mim. Isso me fez chegar à literatura para crianças e jovens. Sabendo que eu sabia contar histórias, passei a escrevê-las para esse público.
Você tem dois livros publicados aqui conosco: “Vozes Ancestrais” e “Um estranho sonho de futuro”, qual o sentimento de compartilhar essas e outras muitas histórias que envolvem a cultura indígena?
Posso dizer que sou um escritor realizado com o trabalho que venho desenvolvendo. O retorno que venho recebendo ao longo desses 30 anos de literatura vem me mostrando que é possível promover uma verdadeira revolução no pensamento da sociedade brasileira e isso sem precisar fazer muito barulho ou repetir palavras de ordem. A temática indígena está mais presente nas escolas brasileiras, graças à literatura escrita por autores indígenas. Sem querer ser prepotente, acredito que estamos mesmo promovendo uma mudança significativa na Educação brasileira. Isso passa, sem dúvidas, por esses dois títulos que publiquei nessa casa editorial.
Na sua opinião, como as escolas e educadores podem trabalhar para combater o apagamento da cultura dos povos originários em nossa formação cidadã?
Uma das formas é trazer a literatura escrita por autores indígenas para o universo da escola e da sala de aula. Para isso os professores têm que atualizar seu próprio repertório linguístico para conseguirem transmitir de forma adequada os conteúdos que envolvem os povos originários. É importante que os educadores possam ter acesso a uma formação humana e profissional que lhes garantam suporte para o exercício do ofício de ensinar.
Outra forma é incentivar as crianças para que elas consigam ler os textos para além do que os próprios textos revelam. É preciso aguçar a curiosidade das crianças e fazer com que elas se interessem pelo tema para além das tarefas escolares. Isso se pode fazer promovendo atividades que envolvam os pais e parentes. Fazer as crianças buscarem informações sobre suas raízes ancestrais, por exemplo, pode ser um bom “gatilho” para se discutir a formação do Brasil e sua identidade. Isso levará as crianças a se engajarem na descoberta de si mesmas e há de alimentar nelas a autoestima e o pertencimento ao território em que elas vivem.
Pertencente ao povo indígena Munduruku, Daniel é engajado no Movimento Indígena Brasileiro, sendo cofundador da primeira livraria on-line especializada em livros de autores indígenas e promove, há 20 anos, o Encontro de Escritores e Artistas Indígenas no Rio de Janeiro em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ.
Hoje, você considera que tivemos algum avanço na representação política dos povos originários?
Com certeza. Isso tudo apesar dos governos que alternam no poder que faz o Brasil ser uma espécie de serrote: anda-se um pouco pra frente e muito pra trás. Os avanços vão acontecendo de forma celular, a passos de formiga, mas vão acontecendo. Repito que isso não é ação de governo tão somente, mas da insistência da sociedade civil organizada que não deixa de cobrar as necessárias mudanças. Quero crer que outras mudanças irão ocorrer em breve, mas isso ao sabor do humor da política institucional. A luta tem que ser para não permitir que governos retrógrados se aninhem no poder novamente para podermos evitar o retrocesso.
Sobre o autor

Graduado em Filosofia, com licenciatura em História e Psicologia, além de Mestrado e Doutorado em Educação e Pós-Doutorado em Linguística, Daniel Munduruku tem muitos dos seus livros com o selo de Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, tendo recebido vários prêmios nacionais e internacionais por sua obra literária como o Prêmio Jabuti, Prêmio da Academia Brasileira de Letras, Prêmio Érico Vanucci Mendes – CNPq; prêmio para a Promoção da Tolerância e da Não Violência – UNESCO e o Prêmio da Fundação Bunge pelo conjunto de sua obra.
Conheça as obras de Daniel Munduruku lançadas pela FTD Educação

Daniel Munduruku costuma afirmar: “Escrevo para me manter índio”. Foi com essa motivação que o autor teve a ideia de procurar indígenas de dez povos e coletar os contos tradicionais transcritos nesta obra, trazendo para o leitor um pouco das crenças e tradições das populações que habitam o território brasileiro. “Como o Sol ressuscitou o Lua” é uma destas histórias. E, não, você não leu errado: entre os Umutina, Lua é um substantivo masculino. Os Nambikwara contam como o fogo, que pertencia ao tamanduá-bandeira, foi roubado e distribuído entre todos os seres. Em “Os dois teimosos”, os Maraguá ensinam a importância de “não mexer nas coisas da floresta sem ter necessidade”.
Indicação de idade: de 9 a 11 anos

Um garoto da cidade grande vai passar uns dias na aldeia Munduruku, no Pará, e quem nos conta a história é o indígena que o acompanha nessa viagem. O relato contrapõe todo o tempo o modo de viver indígena e o não-indígena, provocando a revisão de conceitos modelados pelo preconceito, pela intolerância ou mesmo pela falta de informação.
Indicação de idade: de 12 a 14 anos