Como a inteligência artificial está moldando o futuro da Educação e desafiando educadores e estudantes a se adaptarem a uma nova era de aprendizado autônomo.
Nos últimos anos, a escalada da automação de todos os processos que nos cercam na sociedade tem tomado a centralidade das discussões, e um dos principais fatores para esse acontecimento é, inegavelmente, a ascensão das tecnologias autônomas como a inteligência artificial (IA), tanto no âmbito da criação de textos quanto para a criação de imagens e, ultimamente, para criação de vídeos com o Sora da openAI.
Essas transformações abarcam toda a sociedade e, desta forma, todas as áreas industriais, criativas e de comunicação acabam também envolvidas nesse processo. Dado o contexto, é evidente que a área da Educação também sinta diretamente os impactos dessas transformações contemporâneas.

No âmbito da Educação, as inteligências artificiais, como chatGPT, têm trazido questionamentos a respeito da autonomia estudantil, do plágio e sobre aspectos relacionados às oportunidades de se esquivar, enquanto aluno, do exercício intelectual profundo, por conta de uma ferramenta que consegue compor textos autonomamente. Essas questões já foram alvo de muitas críticas nos últimos dois anos, durante o estabelecimento e popularização dessas ferramentas conhecidas como grandes modelos de linguagem (LLMs). Uma matéria do Fórum Econômico Mundial, de 2024, traz justamente essa questão, e inicia dizendo que existe uma certa resistência por parte dos professores, que às vezes são receosos e em alguns momentos agem de forma completamente negativa às novas tecnologias. Eles seguem argumentando, entretanto, que esse processo de renovação deveria ser observado do ponto de vista das falhas do nosso sistema educativo atual e que:
“Não devemos esquecer as falhas do nosso sistema educativo atual – desde o acesso desigual ao esgotamento dos professores. A IA não é apenas um desafio; é uma oportunidade para abordar estas questões de longa data e elevar o potencial humano e a criatividade.”

É verdade que muito já tenha sido feito no sentido de adaptação – tanto dos educadores quanto dos educandos – acerca do uso dessas ferramentas, tornando aquilo que seria um problema, inicialmente, em uma oportunidade, isto é, utilizando a ferramenta para criação acelerada de cenários para sala de aula, de variações sobre uma questão específica, de geração de perguntas para aprimoramento de exercícios. Mas a verdadeira adaptação e integração dessas possibilidades na realidade cotidiana das escolas ainda levará algum tempo. E foi exatamente assim com todas as outras tecnologias que surgiram no mundo como produtos, mas que rapidamente foram integradas ao processo educacional, como todas as mídias e suas variações e, mais recentemente, os aparelhos celulares.
Desta forma, um pouco de contexto é necessário. Podemos dizer que a história da implementação do ensino adaptativo tenha passado por quatro grandes passos definidores, sendo:
1ª geração, aprendizado baseado em regras:
Neste caso, nós temos a atuação humana na criação de regras para formulação de “trilhas”, por exemplo: se errar uma questão, a próxima questão que aparece já foi definida pelo professor.
2ª geração de aprendizado de máquina simples
Esse contexto foi baseado na capacidade inicial da computação sobre dados de estudantes, o que trouxe a possibilidade de criação de painéis de leitura com base em estatísticas, por exemplo, indicando quais alunos possuem mais problemas na evolução com a classe.
3ª geração, aprendizagem profunda
Neste contexto, as tecnologias já são capazes de identificar sozinhas o andamento de determinada classe e organizar uma Trilha Educacional autônoma, ou seja, sem a necessidade de um desenho de trilhas realizado por um ser humano previamente.
4ª geração, aprendizagem adaptativa
Aqui se presume a plena implementação das tecnologias de inteligência artificial, contemplando a aplicação do conteúdo, diagnósticos de uso e geração de painéis de insights, e a manipulação do conteúdo para condições específicas apresentadas por um aluno em circunstâncias individuais de dificuldade. Esta tecnologia não apenas acessa e organiza o conteúdo já predisposto, mas compreende os cenários e manipula o conteúdo adaptando-o à ocasião específica de cada aluno.
Assim, a integração das inteligências artificiais na estrutura educacional tende a ir muito além da simples interação entre alunos e professores com chats de IA. Isso porque as inteligências artificiais são tecnologias capazes de manipulação de grandes volumes de informação, gerando insights e percepções que um ser humano normalmente não conseguiria sozinho. Um exemplo dessa aplicação seria, portanto, para ferramentas diagnósticas sobre a evolução do aprendizado de cada aluno, o que se tornaria uma tarefa árdua para um professor realizar sozinho, considerando a realidade de professores que possuem diversas salas, às vezes com mais de 50 alunos cada.
As tecnologias artificiais são ideais para acelerar processos, prever cenários e gerar insights, ao passo que o ser humano com todas as suas faculdades é a peça crucial para boas tomadas de decisão.
Basta imaginar uma professora que interaja com mais de 150 alunos, em três turmas diferentes, e que ainda assim queira acompanhar o desenvolvimento individual de cada aluno, durante o período do semestre. Seria absolutamente impossível que ela pudesse se aprofundar nas métricas de evolução individuais de cada aluno, sendo capaz de criar estratégias educacionais orientadas às necessidades individuais. É nesse exato contexto que as inteligências artificiais entram como ferramentas úteis para vasculhar essa imensidão de dados e extrair insights.
As tecnologias artificiais são ideais para acelerar processos, prever cenários e gerar insights, ao passo que o ser humano com todas as suas faculdades é a peça crucial para boas tomadas de decisão. Nesse sentido, a utilização das ferramentas de inteligência artificial pode ser compreendida como um fator potencializador das capacidades humanas. Mas como essa integração ocorreria na vida real? A partir de dois aspectos principais, sendo o primeiro, a adaptação do currículo em tempo real, ou Adaptive Learning, e em segundo lugar a avaliação contínua do desempenho dos alunos através de ferramentas de insights.
Adaptação do currículo com IA
O primeiro aspecto seria a adaptação do currículo com inteligência artificial, isto é, o uso dessa tecnologia para adaptação do conteúdo para a realidade de um aluno específico, visando criar experiências mais significativas e aderentes à sua realidade.
Os métodos tradicionais que o campo educacional utiliza para avaliação de alunos estão se tornando obsoletos, segundo artigo no Fórum Econômico Mundial. Nesta esteira, algumas metodologias especificamente focadas em uso de inteligência artificial na Educação estão sendo desenvolvidas, como a PAIR (Problem, AI, Interaction, Reflection). Essa metodologia trabalha alguns pontos com o uso de IA que desenvolvem habilidades seguindo uma ordem: formulação de problemas, exploração dos temas, experimentação, pensamento crítico e, por fim, intencionalidade de reflexão.

O mercado já começa a se adaptar com ferramentas prontas, como a Khanmigo.ai, que possuem uma interface para os professores, na qual eles dialogam via chat, solicitando adaptações na estruturação da matéria ou, por meio de conversa, criam exercícios e atividades.
Fora essas ferramentas, há maneiras de fornecer um caminho de aprendizado personalizado, sendo uma abordagem adaptativa às circunstâncias específicas nas quais um aluno se encontra em um dado momento de sua vida. É neste contexto que as inteligências artificiais atuam na direção de auxiliar os professores na criação de diagnósticos mais precisos, o que seria absolutamente impossível de ser realizado por um ser humano sozinho, dado o volume de dados dos alunos.
E essa capacidade de adaptação do conteúdo funciona justamente porque a natureza das inteligências artificiais é a manipulação de grandes volumes de informação de forma semântica, ou seja, compreendendo com textos. Isso faz com que, por exemplo, identificado que determinado aluno tenha dificuldades nas respostas de uma dada questão, o sistema possa automaticamente identificar essa deficiência e, por meio de um chat amigável, comunicar ao aluno se ele gostaria de um reforço em determinada matéria. De certa forma isso não é uma novidade, porque há muitos anos o ensino adaptativo tem trazido trilhas como uma solução, entretanto, nesse momento, é possível pela primeira vez que o sistema não apenas proponha quais conteúdos o aluno deva estudar, mas que adapte, reescrevendo este conteúdo, transformando-o completamente, não só para o contexto do aluno, mas também para a sua linguagem.
Do ponto de vista de dados analíticos (Learning Analytics) de Educação, um dashboard para os professores faz com que esse mesmo sistema de Inteligência Artificial comunique de forma mais humanizada quais são os alunos que necessitam de ajuda e quais são as possíveis soluções, por exemplo, indicando trechos do conteúdo que talvez tenham aderência com os problemas relatados. Seria um parceiro na criação de estratégias para as turmas.
Avaliação contínua do desempenho do aluno
Aqui entramos no ponto das ferramentas de análise da progressão de cada aluno, o que também se apresentava como cenário de extrema complexidade para professores que tinham grandes turmas. Neste contexto, encontramos o que se chama de dados analíticos de Educação ou Learning Analytics, que geralmente se apresentam como ferramentas, dashboards e painéis capazes de sintetizar o andamento individual de cada aluno, as médias das turmas e sinalizar casos de risco, absenteísmo, margens de erro e acerto da turma, além de um conjunto de outras informações extremamente valiosas para tomadas de decisão no contexto educacional.

Aqui novamente, as inteligências artificiais trazem uma ampliação das capacidades de atuação humana sobre contextos de grande quantidade de dados, podendo pinçar, dentro de uma turma de centenas de alunos, casos específicos e sinalizar para os professores de forma acertada, respeitando às individualidades desses alunos. Fora isso, também é possível que essas ferramentas façam previsões e apontem riscos antes dos problemas acontecerem, por conta da sua capacidade de investigação de vastas quantidades de informação passada e pela identificação de padrões, ou seja, o histórico de atuação de cada aluno.
Evidentemente, essa inteligência aplicada aos dados de forma tão complexa e profunda, pode também gerar insights sobre acertos e erros das metodologias dos próprios professores, para que eles identifiquem se uma metodologia teria funcionado mais ou menos conforme as características específicas de cada turma que possui.
É preciso constatar, entretanto, que neste exato momento da história, ainda não temos à nossa disposição ferramentas com essa capacidade de se tornarem assistentes pessoais de professores e alunos, mas é com a mesma certeza que podemos dizer que, nos próximos cinco anos, muito provavelmente, isso fará parte integral de uma nova realidade educacional.