A “Escola do Imprevisto” enfrenta os desafios de uma era marcada pela incerteza e pela fragmentação digital, ressignificando seu papel como espaço de inovação, colaboração e formação de cidadãos críticos e conscientes.
Vivemos tempos em que o conceito de estabilidade parece cada vez mais distante, e a educação, como um reflexo da sociedade, não está imune a essas transformações. A escola, uma instituição que historicamente se consolidou como um espaço de previsibilidade e ordem, hoje se vê desafiada a operar em um cenário marcado pelo imprevisto.
Sérgio Abranches, em sua obra A era do imprevisto: a grande transição do século XXI, nos alerta para as profundas mudanças que caracterizam nossa era, um tempo de transição em que o velho ainda não morreu e o novo ainda luta para nascer. Sérgio Abranches retoma a ideia de interregno descrita por Gramsci, um período de incerteza e transformação, no qual a escola precisa se reinventar para continuar relevante.
Em um dos meus exercícios de reflexão sobre a escola neste contexto de imprevisibilidade, utilizei o ChatGPT para criar imagens que, em minha opinião, capturam a mudança de comportamento atual, diretamente ligada à transformação na forma como somos estimulados nos dias de hoje.
A primeira imagem é a de uma sala de estar da década de 1980, onde uma família se reunia ao redor de um único aparelho de televisão. Era um tempo em que os estímulos midiáticos eram limitados e compartilhados coletivamente. A escola daquela época refletia essa estrutura, com currículos uniformes e metodologias que assumiam uma experiência educacional homogênea para todos os alunos.
Mas… e hoje? Ao olharmos para nossas casas, o sofá da sala, a mesa da cozinha, o que vemos? Se vemos… E se olharmos para o lazer com os amigos no quintal de casa ou fora dela, temos uma cena muito diferente: temos pessoas imersas em seu próprio dispositivo digital, consumindo conteúdos altamente personalizados por algoritmos que moldam suas experiências de maneira única. Esse é o novo desafio para as escolas, que precisam lidar com a diversidade de estímulos e a fragmentação da atenção dos estudantes.
A segunda imagem criada pelo ChatGPT pode gerar várias problematizações…
Podemos falar em uma nova era das relações? Como será a era das respostas imediatas e uma infinidade de estímulos praticamente simultâneos? Como fica nossa atenção? E nossos processos de aprendizagem? Nossa constituição fisiológica é capaz de uma adaptação tão rápida a ponto de acompanhar as mudanças sociais e interacionais na era do imprevisto digital?
Temos muito mais perguntas que respostas. E essas perguntas são fundamentais. Nessa “nova era”, a escola enfrenta a necessidade de se adaptar a um ambiente onde o conhecimento não é mais transmitido de forma linear, mas sim interconectado e multifacetado.
A abundância de informações disponíveis on-line exige que os alunos desenvolvam habilidades críticas para filtrar, interpretar e aplicar o conhecimento de forma significativa. No entanto, isso também significa que as escolas devem repensar seu papel. Não se trata mais apenas de fornecer conteúdo, mas de ajudar os alunos a navegarem por um mar revolto de informações e a construir uma compreensão coerente do mundo.
A mudança nos estímulos e nas formas de consumo de mídia também levanta questões sobre a coletividade dentro da escola. Se antes o espaço escolar era o grande ponto de encontro e socialização, hoje a fragmentação digital cria desafios para a construção do senso de comunidade.
A escola precisa ser o lugar onde essa coletividade é ressignificada, onde os alunos aprendem a se engajar em discussões coletivas, a trabalhar em grupo e a desenvolver um sentido de responsabilidade social. A coletividade, que outrora era uma consequência natural da convivência, agora precisa ser intencionalmente cultivada e protegida.
Como fomentar e ressignificar a coletividade no espaço da escola? Nesse contexto, de dúvidas e imprevisibilidade, surge a necessidade de uma educação que vá além do domínio das disciplinas tradicionais. As habilidades digitais e o pensamento crítico tornaram-se essenciais, mas a educação para a cidadania digital é igualmente crucial.
Os alunos precisam entender os riscos e responsabilidades que acompanham o uso da tecnologia, e as escolas têm a missão de prepará-los para serem cidadãos conscientes e éticos no ambiente on-line. Isso inclui desde a proteção de dados pessoais até a compreensão dos impactos sociais e políticos das redes sociais.
Outro aspecto a ser considerado na “Escola do Imprevisto” é a questão da personalização da aprendizagem. Assim como os algoritmos personalizam o conteúdo para cada usuário, a educação também caminha para uma maior individualização.
Ferramentas de aprendizagem adaptativa permitem que os alunos avancem no seu próprio ritmo, focando nas áreas em que mais precisam de desenvolvimento. No entanto, essa personalização não deve acontecer em detrimento da construção coletiva do conhecimento.
A escola precisa encontrar um equilíbrio entre atender às necessidades individuais e manter o espírito de colaboração e comunidade.
Na medida em que navegamos por esse interregno, é fundamental que a escola não perca de vista seu papel como agente de transformação social. A adaptação às novas realidades não deve significar a simples aceitação das condições impostas pela era digital, mas sim a busca por formas inovadoras de ensinar e aprender que promovam a justiça social e a equidade.
A inclusão digital, por exemplo, deve ser uma prioridade, garantindo que todos os alunos tenham acesso às mesmas oportunidades de aprendizagem, independentemente de sua origem socioeconômica.
Por fim, a “Escola do Imprevisto” é aquela que abraça a incerteza e a mudança, mas que também busca fornecer aos seus estudantes as ferramentas necessárias para lidar com essa nova realidade. A crise, como bem definiu Gramsci, é um momento em que o velho morre, mas o novo ainda não tem condições de se afirmar.
No entanto, é exatamente nesse espaço de incerteza que as maiores oportunidades de inovação e transformação emergem. A escola deve ser o espaço onde essas oportunidades são exploradas, onde o futuro é moldado não pela passividade diante do imprevisto, mas pela ação consciente e intencional da comunidade educativa.
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Referência e sugestão de leitura:
ABRANCHES, Sérgio. A era do imprevisto: a grande transição do século XXI. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.