Diversidade étnica e social: mais livros, exposições e debates para o enfrentamento do racismo estrutural e o fortalecimento do respeito às diferenças
Em texto recente para a revista Piauí, Mário Augusto Medeiros da Silva afirmava a existência de “sinais de que já não é possível admitir a ausência de intelectuais negras e negros, indígenas, mulheres e homens trans nos principais catálogos editoriais ou em mostras artísticas do país”. Mas alertava: “será que isso significa que o Brasil está se tornando menos racista e comprometido com os direitos da população negra?
Absolutamente não, como comprovam as estatísticas da violência sofrida pelas pessoas negras no país. Pode-se dizer, contudo, que agora estamos mais bem equipados para o debate de ideias e as lutas pela afirmação dos direitos dos negros”.
Concordando com o autor, podemos afirmar que também estamos mais bem equipados para lutar pela afirmação de populações indígenas, de mulheres e da comunidade LGBTQI+. E nesse sentido, podemos destacar algumas exposições recentes acontecidas no Instituto Moreira Salles, como A luta Yanomami (2019), com fotografias de Cláudia Andújar sobre os modos de viver, resistir e ver o mundo do povo Yanomami; e Walter Firmo (2022), com fotografias de Walter Firmo, também sobre os modos de viver, resistir e ver o mundo de populações negras pelos brasis.
A resistência histórica de povos oprimidos contra racismos estruturais ao longo do século XX é, sem dúvida, responsável pelos avanços políticos e culturais conquistados no século XXI.
Assim, se podemos afirmar que a escravização de povos africanos e a conquista e colonização de povos indígenas faz parte de um passado ainda muito presente em nossas vidas, também devemos reconhecer os resultados da luta desses povos historicamente excluídos.
A Constituição de 1988 tem sido um importante documento legal no qual se apoiam esses povos para garantir suas sobrevivências, pois ela afirma o direito dos quilombolas à propriedade e ao usufruto de terras tradicionalmente ocupadas, assim como garante aos povos indígenas a demarcação de suas terras. Sobre as terras indígenas, é importante reproduzir o que diz o texto constitucional:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
O texto é bastante claro e permite contestar o projeto de um novo Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Este novo projeto defende que a demarcação só é cabível para as terras ocupadas pelos povos indígenas até 1988. Ocorre que muitos povos indígenas reivindicam demarcação de terras das quais foram injustamente expulsos por agricultores e/ou mineradores. Além disso, a demarcação de terras garante a preservação de áreas de florestas que, em posse dessas populações, não serão desmatadas e aumentarão as possibilidades de seres humanos enfrentarem as crises climáticas que enfrentamos nesse século.
Desde a Constituição de 1988 foram desenvolvidas muitas políticas afirmativas em relação à história dos povos excluídos e sua inclusão efetiva na sociedade, como as leis de cotas e as leis que obrigam o ensino de culturas indígenas e afrodescendentes nas escolas da rede básica.
No último censo do IBGE (2022) foram apresentados os seguintes dados: de um total de 203.069.637 de brasileiros, 92.083.286 se declaram pardos, 20.656.458 se declaram pretos, 850.130 se declaram amarelos, e 1.227.642 se declaram indígenas. Para além da evidente diversidade étnica que os números revelam, é de se destacar o aumento do número de brasileiros que se declaram pardos e negros em relação a Censos anteriores.
Uma conquista dos movimentos de afirmação das populações excluídas que se expressa, por exemplo, nos debates sobre a figuração de Machado de Assis, já que em sua certidão de óbito constava que ele era “branco” quando, em verdade, o escritor era negro.
Mas por que apresentar essa discussão em uma sequência de artigos sobre eleições municipais? Porque as eleições são um excelente momento para aumentarmos a representação política de povos excluídos historicamente e de grupos sociais que sofrem preconceitos quando caminham pelas ruas, quando procuram empregos, enfim, em suas vidas cotidianas.
Podemos, ainda, aproximar as lutas por direitos sociais, como saúde, educação ou saneamento básico, dos interesses dos grupos e povos excluídos. Por exemplo, quando escolhemos um vereador, podemos atentar para suas principais bandeiras, mas não as afirmações genéricas sobre temas clássicos, como esses citados, mas como efetivamente o candidato pretende cumprir suas promessas.
Por exemplo, ele pretende alterar códigos sanitários ou pretende fazer cumprir os existentes? Ele pretende lutar por verbas públicas para aumentar a pesquisa sobre vacinas? Como ele pretende melhorar a coleta de lixo, o escoamento de águas de chuvas e a limpeza de bocas de lobo na cidade? A cidade necessita de diques de contenção e águas? Precisa proteger matas e encostas de rios? O que ele pensa sobre esses assuntos? No caso aqui destacado, a diversidade étnica e social, o que ele acha de campanhas por inclusão social nas escolas? O que ele pensa sobre as cotas raciais e sociais? O que ele pensa sobre o uso de livros que abordam essas questões nas escolas? Será que é um dos candidatos que pretende excluir livros sobre temas com os quais não concorda ou ele aceita o debate sobre a diversidade nas escolas? Aceita pontos de vista diferentes ou quer impor um único ponto de vista a ser ensinado nas escolas?
Nesse sentido, uma outra fotógrafa importante no contexto de humanização de grupos sociais e respeito pela diversidade, é Diane Arbus (1923-1971), norte-americana que se destacou por fotografar pessoas marginalizadas, como deficientes mentais e travestis.
Esta é uma discussão recente e importante. Desde 1996, a lei de Diretrizes e Bases da Educação afirma a necessidade de se equipar as escolas públicas para receber estudantes portadores de deficiência física. Mas apenas em 2015 tal obrigatoriedade atingiu as escolas privadas, com a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) que, além disso, obriga todas as escolas a receberem estudantes com qualquer tipo de deficiência, sejam questões de ordem mental ou motora.
A Lei tem sido objeto de enorme debate, já que a maior parte das escolas não tem preparado seus professores adequadamente para o trabalho de inclusão desses estudantes. Não seria interessante escolher vereadores com propostas concretas para a formação dos professores em relação a essa nova demanda?
A importância de se escolher representantes para o poder legislativo que tenham propostas efetivas e se comprometam de fato com determinadas lutas e bandeiras pode ser verificada na biografia de Abdias do Nascimento (1914-2011), escritor, professor e artista que se tornou o primeiro Senador de nossa República a propor projetos antirracistas e que fundou o Movimento Negro Unificado, em 1978. Termino com um trecho de seu discurso na tribuna do Senado federal, quando da “comemoração” dos 110 anos da promulgação da Lei Áurea, em 1998. O discurso revela a importância de se ocupar espaços políticos em nome do respeito à diversidade étnica e social:
“Sem terras para cultivar e enfrentando no mercado de trabalho a competição dos imigrantes europeus, em geral incentivados pelo governo brasileiro, preocupado em branquear física e culturalmente a nossa população, os descendentes de africanos entraram numa nova etapa de sua via-crúcis. De escravos, passaram a favelados, meninos de rua, vítimas preferenciais da violência policial, discriminados nas esferas da Justiça e do mercado de trabalho, invisibilizados nos meios de comunicação, negados nos seus valores, na sua religião e na sua cultura.” Fonte: Senado.leg.br
Uma pequena bibliografia para os interessados:
CARVALHO, José Jorge. Uma aliança negro-branca-indígena pela inclusão étnica e racial. In: Idem. Inclusão étnica e racial no Brasil. A questão das cotas no Ensino Superior. S. P.: Attar Editorial, 2005, p. 109-138.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (Brasil). Violência contra os Povos Indígenas no Brasil: dados de 2018. Brasília: Cimi, 2018. 156 p. ISSN 1984-7645. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf Acesso em: 17 de fevereiro de 2024.
NASCIMENTO, Abdias do. Quilombismo. S. P.: Editora Perspectiva/Ipeafro, 2019.
SILVA, Mário A. M. Uma biblioteca contra a indiferença, Revista Piauí, 29 de março de 2024. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/uma-biblioteca-contra-indiferenca/ Acesso em: 20 de maio de 2024.