Se for combinado, não há nada de errado.
É prova de Matemática e…
Artur, sorrateiramente, tira um pequeno pedaço de papel de dentro do estojo. Beatriz, puxa a manga da blusa e deixa à mostra algo gravado na pele como uma tatuagem. Camila, espreguiçando-se, estica o pescoço para espiar a carteira do seu vizinho. Davi e Érica se comunicam por sinais, quase imperceptíveis. Essas personagens são todas fictícias, mas cenas como as que foram descritas, presenciei várias vezes enquanto professor e, também, na remota época em que era estudante, pois colar é algo atemporal.
Antes de adentrarmos propriamente no polêmico tema que intitula esse texto, devo comentar que, ao me referir à prova, estou recorrendo à tradicional prova escrita, tão presente nas rotinas escolares brasileiras. Aliás, é importante que também tenhamos bem esclarecido que prova e processo avaliativo não são sinônimos, uma vez que a prova é uma das avaliações que pode compor todo o processo avaliativo ao qual o estudante é submetido, assim como trabalhos, listas de atividades, seminários, portifólios, apresentações orais etc.
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Outro ponto que vale discutirmos, previamente, são os perfis dos estudantes que colam. O primeiro perfil é o mais óbvio: o estudante não se preparou adequadamente para a prova, não acompanhou as explicações dos conteúdos, não participou das aulas, não fez as atividades, não esclareceu as dúvidas que tinha, dentre outros “nãos” que decorrem muitas vezes da falta de compromisso dele em relação ao estudo. Por outro lado, há uma parcela significativa dos estudantes que se enquadram em um segundo perfil. Esse estudante envereda pelo recurso da cola mesmo tendo participado ativamente das aulas, acompanhado as explanações do professor, perguntado sempre que teve dúvidas, ter feito as atividades em sala de aula, e também aquelas propostas para casa, e dedicado esforço e tempo ao estudo. Mas, no momento da prova, “trava” ou tem um “branco”.
O estudante que se enquadra no primeiro perfil, recorre à cola simplesmente para poder acessar, no momento da prova, conhecimentos sobre os quais não tem domínio, ou seja, que ele ainda não aprendeu satisfatoriamente. Já o estudante que apresenta características do segundo perfil, recorre à cola de maneira afetiva, buscando atenuar os sintomas da insegurança, ansiedade e nervosismo, para poder acessar conhecimentos que já dispõe.
Delimitado os perfis dos estudantes colantes, é hora de falar sobre a prova-escrita-com-cola. Nesse instrumento avaliativo, professor e estudantes estabelecem um combinado: é permitido colar, mas seguindo à risca regras estabelecidas previamente. Considerando oportunas variações, de modo geral, as regras são:
1. Cada estudante terá acesso a um único pedaço de papel com medidas de dimensões pré-estabelecidas. Por exemplo, meia folha de papel sulfite.
2. O preparo da cola consiste de o estudante registrar, nesse pedaço de papel padronizado, informações que julga necessárias e importantes para a realização da prova. É importante combinar também se esses registros devem ser todos manuscritos ou não.
3. Não é permitido ao estudante copiar a cola de um colega ou pedir a alguém que faça por ele. Mas, é possível negociar se o preparo da cola é individual ou em grupo.
4. Durante a prova, cada estudante pode consultar apenas a própria cola. Não vale emprestar ou trocar de cola com um colega.
5. Qualquer outra estratégia para colar é proibida, considerada ilícita. Não vale esconder anotações complementares, trocar informações com os colegas durante a prova, ou qualquer outra estratégia do gênero.
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Perceba que as regras da prova-escrita-com-cola evidencia a diferença entre esse instrumento avaliativo e a prova com consulta. Enquanto na primeira o estudante tem de empenhar-se em produzir os registros aos quais terá acesso, limitado pelo espaço disponível no pedaço de papel padronizado, geralmente na segunda é permitido ao estudante acesso irrestrito ao material: cadernos, livros, anotações etc.
Mas, qual é a vantagem da prova-escrita-com-cola, do ponto de vista do processo de ensino e aprendizagem?
O “pulo do gato” está na atribuição de o estudante ter de preparar a cola seguindo as regras pré-estabelecidas. Imagine, por exemplo, uma prova que contemple conteúdos abordados em um período de um mês de aulas e que foram registrados em 15 páginas no caderno de um estudante, além de destaques no livro e anotações em outros meios (plataforma digital, por exemplo). Selecionar o que é mais importante e fazer caber essa seleção em um pedaço de papel é uma tarefa que vai impelir esse estudante à… ESTUDAR! Já ouvi diversos relatos de estudantes submetidos à prova-escrita-com-cola de que, na hora da prova, não foi necessário consultar a cola, pois as informações que eles precisavam “já estavam na cabeça”.
Voltando aos dois perfis de estudantes que colam, descritos no início do texto, ambos podem ser positivamente afetados pela prova-escrita-com-cola. Os estudantes que recorrem à cola por falta de preparo, têm a oportunidade de estudar para preparar a sua cola lícita. Já os estudantes que se apoiam emocionalmente na cola, terão às mãos o conforto de poder fazer consultas caso se esqueçam de algo ou sintam insegurança.
Nesse artigo, dediquei-me a tratar e, de certa maneira, incentivar o uso da prova-escrita-com-cola. Mas, como também grifei, esse instrumento avaliativo é apenas um dentre diversos outros que são possíveis de serem incorporados nas rotinas escolares. É salutar para o processo de ensino e aprendizagem que os professores façam avaliações contínuas, observando todo processo de construção de conhecimentos dos estudantes, adaptando as avaliações às características específicas de cada turma e indivíduo.
É fundamental conhecer e fazer uso de uma ampla variedade de instrumentos avaliativos, escolhendo o tipo mais adequado àquilo que desejamos constatar com a avaliação. Nas coleções de livros didáticos de Matemática que tenho produzido, além de trazer propostas de avaliação e autoavaliação no material do estudante, tenho procurado discutir o processo de avaliação e apresentar um leque de instrumentos avaliativos no material para o professor, além de ótimas fontes de consulta sobre o tema.
Para finalizar, deixo aqui uma provocação aos meus colegas professores: Que tal deixar seus alunos colarem na próxima prova? Se for combinado, não há nada de errado. E, se quiser se aprofundar um pouco mais no conceito da prova-escrita-com-cola, deixei indicado a seguir duas ótimas fontes de consulta.
Para saber mais sobre a prova-escrita-com-cola:
FORSTER, Cristiano. A utilização da prova-escrita-com-cola como recurso à aprendizagem. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2016. Disponível em aqui.
SOUZA, Juliana Alves de. Cola em prova escrita: de uma conduta discente a uma estratégia docente. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2018. Disponível em aqui.