Família

Dependência Digital: Descubra se você está em um relacionamento tóxico com as tecnologias

Por Maiara Lima

Estimativa de leitura: 12min 43seg

12 de janeiro de 2024

Aprenda a usar o celular de maneira consciente e a criar limites para você e sua família.

Você acorda, desliga o alarme do celular, decide conferir as suas notificações, continua uma conversa que parou na noite anterior, checa seus e-mails, curte fotos, vê um vídeo, um meme, as notícias, a fofoca da vez e de repente já se passou um bom tempo e você ainda nem saiu da cama direito. Parece familiar?  

Pois é, essa é a realidade de muitos de nós e olha que isso é só um exemplo dos primeiros minutos da manhã, tem quem vire a noite envolto no vórtex infinito das redes sociais. 

Quando a internet se popularizou pelo mundo, os dispositivos tecnológicos ainda estavam engatinhando e existia a possibilidade de simplesmente apertar um botão e pasmem: sair da internet. Agora ela é algo inerente à nossa rotina e vivendo no automático sequer paramos para pensar na internet, ou no tempo em que passamos conectados.  

Para você ter uma ideia é bem provável que passe 9 horas do seu dia on-line, ao menos é isso que mostra a pesquisa Digital 2023:Global Overview Report da DataReportal, que indica que os brasileiros passam 56,6% das suas horas em frente a alguma tela. 

Gráfico da DataReportal que mostra a média de tempo que os usuários de internet entre 16 e 64 anos passam on-line diariamente em qualquer dispositivo. 

Vendo o gráfico assim, às vezes, os dados não parecem tão alarmantes, mas vamos juntos fazer uma conta básica aqui: se o dia tem 24 horas e, em média passamos 8 delas dormindo, nos sobram 16 horas em que estamos acordados, tirando essas 9 horas dedicadas a algum dispositivo tecnológico, temos apenas 7 horas para fazer qualquer outra coisa que não envolva estar em frente a uma tela.  

Você já parou para pensar no que estamos perdendo e o que poderíamos estar fazendo ou vivenciando nessas horas do nosso dia?  

E o mais importante: você já parou para pensar em como isso tem afetado a sua vida? 

O início de um novo ano é o período perfeito para refletirmos sobre nossos hábitos e olharmos com mais atenção para as nossas necessidades, então vamos juntos entender como construir uma relação saudável com as tecnologias. 

Como saber se minha relação com a tecnologia não é mais saudável?  

Usamos a tecnologia para trabalhar, estudar e nos relacionar em sociedade, e é indiscutível que sem os seus avanços o mundo não evolui. Então, o primeiro passo é entender que a tecnologia por si só não é a vilã nessa história e sim a forma indiscriminada como a usamos.  

Em 2008, quando Anna Lucia Spear King já era psicóloga e atendia no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seus pacientes começaram a chegar com ansiedade, depressão e compulsão, se queixando de um apego excessivo e doentio às tecnologias, foi a partir daí que a sua equipe percebeu a necessidade de estudar o impacto das tecnologias na saúde, dando origem ao Instituto Delete, voltado para orientar a população sobre o uso consciente das telas e sobre a dependência digital. 

Para a especialista, quando você começar a observar qualquer prejuízo na sua área pessoal, social, familiar, acadêmica ou profissional isso já é um sinal que o uso da tecnologia está comprometendo a sua vida.  

“Você começa a brigar em casa porque o cônjuge não larga o celular e você também não, aí não tem relação mais entre as pessoas … Você sai nos restaurantes e fica usando a tecnologia na frente de outras pessoas, usa no ônibus, no metrô, em salas de espera, incomodando todo mundo … aí o chefe começa a reclamar, você trabalha fora do horário comercial usando a tecnologia em excesso… então quando começar a dar os sinais em qualquer área da sua vida, essa relação com a tecnologia começa a não ser tão saudável,” exemplifica a psicóloga. 

A dependência de tecnologias é considerada hoje o vício do mundo moderno, e ela age no mesmo setor de recompensas do cérebro que outras dependências como o álcool e as drogas. Essa dependência patológica das tecnologias inclusive tem nome é a nomofobia – descrita inicialmente como uma fobia de ficar sem o celular, mas que hoje já se estendeu para outros dispositivos. 

O curta “Nuggets” de Andreas Hykade, animador alemão e professor da Universidade de Harvard ilustra a dependência sob a perspectiva de um pássaro. 

“Quando a pessoa é dependente de algo ela costuma liberar no cérebro, sem ela se dar conta, substâncias químicas como dopamina, endorfina, serotonina e começa a ter muito prazer, por isso ela volta a praticar o que ela estava praticando antes. No caso da dependência digital, por exemplo, a pessoa volta a jogar ou volta a comprar, porque foi ali naquele ambiente tecnológico que ela sentiu muito prazer, só que diferente do tratamento da dependência de álcool e drogas que a gente faz com que a pessoa deixe de usar definitivamente, no caso da dependência tecnológica a gente ensina a pessoa a usar no modo consciente, porque é impossível no mundo moderno a pessoa ficar sem usar as tecnologias”, explica a psicóloga. 

Dentre os prejuízos físicos associados ao uso excessivo das tecnologias, temos posturas inadequadas, pescoços tensionados, coluna desequilibrada, problemas de dor de cabeça, de articulações e cansaço visual, já os problemas emocionais e psicológicos estão relacionados a depressão, ansiedade, angústia, irritabilidade, pânico e vários outros transtornos.  

Existe até uma projeção da Toll Free Forwarding, empresa de telecomunicações dos Estados Unidos, que reuniu pesquisas científicas e as opiniões de especialistas no assunto para simular um corpo humano que foi alterado fisicamente devido ao uso consistente de smartphones, notebooks, tablets e outras tecnologias. O resultado não foi nada animador incluindo costas curvadas, pescoço largo, mãos em garra e até um segundo par de pálpebras. Por isso, é preciso que a gente faça o uso consciente e aprenda a usar a tecnologia para usufruir dos seus benefícios evitando qualquer efeito negativo. 

Vício ou falta de bom senso? 

Um ponto importante para termos em mente é que não é só porque você usa o celular, notebook ou tablet, todos os dias e por muitas horas que você, necessariamente, tem um problema de dependência digital. Quem realmente tem essa dependência patológica, a nomofobia, costuma ter um transtorno associado que age para potencializar esse uso.  

“Por exemplo, se eu tenho um diagnóstico de compulsão, eu vou provavelmente entrar na internet para fazer compras on-line, para participar de jogos, eu vou ficar botando para fora características do meu transtorno de origem, se eu sou depressivo eu vou entrar na tecnologia para não me sentir mais sozinha, para buscar ser inserida em algum contexto, eu vou ficar carente, buscando aprovação dos outros, buscando que as pessoas me apoiem, então eu vou me manifestar por intermédio do que eu sinto, se eu sou ansiosa eu vou ficar buscando o tempo todo quem leu, quem fez isso, quem fez aquilo…”esclarece a psicóloga Anna King. 

Também existem pessoas que fazem um uso excessivo dos dispositivos tecnológicos e acreditam que estão viciadas, porém muitas vezes são apenas pessoas mal-educadas a usar a tecnologia; não usam apenas para lazer ou trabalho que é o indicado, mas o tempo todo, a todo momento, em qualquer lugar, checam as redes sociais de cinco em cinco minutos ou viram a noite presas a uma tela. Nesse caso a recomendação é aprender a etiqueta digital, para não ser inconveniente ao usar qualquer tipo de dispositivo em lugares públicos e inapropriados, como em cinemas, teatros, elevadores, ao dirigir, em salas de aula, em reuniões de trabalho, no meio de um passeio com os amigos ou familiares e em inúmeras outras situações. 

Como fazer o uso consciente das tecnologias? 

O uso consciente das tecnologias é quando o mundo virtual não atrapalha o mundo real, ou seja, é quando você aprende a fazer o uso moderado do celular, notebook ou tablet impondo limites para si mesmo e para aqueles pelos quais é responsável. O indicado não é fazer um detox digital completo e parar de usar a tecnologia abruptamente, mas aprender a definir o que funciona para você e para a sua realidade. 

Confira algumas dicas: 

>> Se você trabalha usando alguma tecnologia, defina que vai fazer esse uso apenas em horário comercial. 
>> Se você tem insônia ou acorda cansado com frequência, experimente deixar os seus dispositivos em modo avião uma hora antes de dormir para não comprometer o seu sono.
>> Se você tem o costume de fazer as refeições com o celular ou tablet ao lado, aprenda a deixar esses dispositivos fora do seu alcance nesses momentos (isso ajuda inclusive na sua digestão). 
>> Se você passa muito tempo em frente ao notebook ou com o celular na mão, ajuste a sua postura de tempos em tempos e, se possível, invista em um mobiliário ergonômico. 
>> Privilegie as interações sociais que acontecem na sua vida real enquanto elas estão acontecendo. 
>> Use a tecnologia quando for necessário e não o dia inteiro. 
>> Não deixe de fazer alguma atividade física, dentro ou fora de casa, para ficar em frente a alguma tela.

Você também pode explorar os recursos da própria tecnologia para entender como você tem utilizados os seus aplicativos e gerenciar melhor o seu tempo. No Instagram, por exemplo, ao acessar as suas Configurações você encontra a opção Tempo Gasto e consegue visualizar quanto tempo passou neste aplicativo durante a semana. A partir daí é possível criar lembretes para fazer uma pausa, ativar o modo silencioso para não receber notificações e colocar um limite diário de consumo desta plataforma. 

Vale lembrar que não basta falarmos sobre o assunto, é preciso dar o exemplo, principalmente dentro de casa e se você é responsável pela vida digital de alguma criança ou adolescente. Caso você identifique que o uso da tecnologia tem atrapalhado a sua rotina procure adaptar o seu comportamento para que possa orientar seus filhos e estimular mais momentos de interação no mundo real.  

O Instituto Delete traz algumas orientações para que a família cumpra seu papel de educar, acolher e impor limites.  

1. Construa vínculos emocionais seguros e um ambiente de estabilidade. 

 A casa deve ser um lugar de acolhimento e alegria. Do contrário, a internet servirá como fuga e idealização. 

2. Promova momentos de espontaneidade e lazer off-line. 

Encontre tempo ocioso e abra espaço para o inesperado. A criatividade é um poderoso estimulante da autoestima. 

3. Defina limites realistas e exerça o autocontrole. 

Explique as regras da casa e evite concessões. Mantenha consistência e coerência. É importante dar o exemplo. 

4. Crie um canal de escuta e empatia. Promova um espaço aberto, de confiança e identificação. 

O adolescente, por exemplo, usa a agressividade para despertar a atenção e reconhecimento. 

Como eu tenho trabalhado meu relacionamento com as tecnologias 

Eu acredito que a pandemia tenha estreitado nossos laços com os dispositivos tecnológicos quando passamos por aquele período de incerteza contando apenas com as nossas telas para nos fazer companhia, nos comunicarmos e termos um pouco de lazer e isso me fez notar que eu desaprendi a ficar sozinha sem usar algum tipo de tecnologia, seja o celular, o tablet ou o notebook. 

Se eu ia almoçar sozinha já “otimizava” o tempo e colocava uma série para assistir e nem percebia se tinha comido direito ou demorava o dobro do tempo, se eu tinha que esperar por alguma coisa já tirava o celular da bolsa para me distrair, inclusive esperar tem sido algo difícil atualmente, né? Se uma foto demora para carregar já não temos paciência para ver o que era, se um vídeo é longo não assistimos até o final, se o áudio da amiga está parecendo um podcast já ouvimos na velocidade 2, tudo isso me fez pensar que talvez fosse hora de desacelerar e fazer algo a respeito para aproveitar melhor o meu tempo. 

Segue uma lista de ações que eu tenho colocado em prática e tem me deixado menos ansiosa e mais produtiva: 

>>> Comecei a deixar opções de leitura na mesa de cabeceira para não ficar me distraindo no celular com a luz branca na cara antes de dormir.   
>>> Silenciei notificações e removi aplicativos que não fossem essenciais do meu celular. 
>>> Tenho tentado usar apenas um alarme despertador e acordar imediatamente ao invés de ficar enrolando para levantar da cama – principalmente nos dias em que vou para academia pela manhã. 
>>> Quando estou trabalhando remoto deixo o celular fora de alcance para focar e ser mais eficiente. 
>>> Quando estou com outras pessoas, eu priorizo estar com elas e não tiro o celular da bolsa – principalmente com a minha sobrinha. 
>>> Durante as refeições, não deixo mais nenhum dispositivo tecnológico por perto, principalmente durante o almoço. 
>>> Nos restaurantes, sempre que está disponível eu peço o cardápio físico para não usar o QR Code e acabar me distraindo com qualquer outra notificação do celular. 
>>> Apesar de adorar tirar fotos, tenho escolhido viver o momento antes de querer postar alguma coisa sobre ele e com isso reduzi bastante minha participação nas redes sociais. 
>>> Organizei minhas tarefas pessoais e profissionais e defini horários específicos para resolver ou desenvolver cada uma delas e não fazer tudo ao mesmo tempo. 
>>> Tenho experimentado sair sem o celular quando é possível.  
>>> Espero que você aproveite esse conteúdo para melhorar a sua relação com as tecnologias e possa desfrutar dos seus benefícios sabendo que às vezes também é preciso desconectar para recarregarmos. 


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A ciência da transformação: como eu mudei hábitos e criei novas rotinas  
Vamos reservar 15 minutos hoje para ler algo apenas por lazer e satisfação? 
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Maiara Lima
Há mais de 10 anos, atua como jornalista, produtora de conteúdo e entusiasta da Educação. Ama cultura pop e falar pelos cotovelos.
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